Posso trabalhar em duas empresas ao mesmo tempo?
Para conseguir fazer face às despesas ou obter um rendimento extra, ter dois empregos é uma opção muitas vezes considerada. Mas antes de aceitar trabalhar para duas empresas, deve saber quais são as obrigações legais, fiscais e contributivas.
Quando as despesas aumentam e um só ordenado quase não chega para pagar todas as contas, um segundo emprego pode significar uma fonte de rendimento adicional.
Com o duplo emprego chegam também responsabilidades e obrigações a dobrar. Por isso, há que ter alguns cuidados, para garantir o cumprimento dos seus deveres para com o Fisco, Segurança Social e entidades empregadoras.
É possível ter dois empregos?
Se conseguir conciliar duas atividades profissionais, não há qualquer impedimento legal a que trabalhe em duas empresas, desde que cumpra algumas regras.
Segundo o Código do Trabalho (CT), na relação entre trabalhador e empregador, ambas as partes devem proceder de boa fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respetivas obrigações.
No que diz respeito ao trabalhador, há também o dever de lealdade ao seu empregador, “nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios”.
Ter dois trabalhos é, assim, perfeitamente possível se com isso não prejudicar nem trair a confiança de nenhum dos empregadores. Caso contrário, estará a infringir a legislação laboral, o que pode levar a despedimento.
A empresa pode proibir-me de ter um segundo emprego?
Em princípio não. O Código do Trabalho é claro ao determinar que o empregador não pode impedir o trabalhador de exercer outra atividade profissional, nem prejudicá-lo por causa disso.
No entanto, é admitida a possibilidade de a empresa proibir um segundo emprego se estiverem em causa aspetos como a segurança, saúde ou sigilo profissional. A lei ressalva, ainda, as situações em que exista legislação específica sobre impedimentos e incompatibilidades, como é o caso dos funcionários públicos.
Assim, embora a regra geral seja que os empregadores não podem colocar limites à liberdade de trabalho, é importante ter em conta as exceções.
E se o meu contrato exigir exclusividade?
Se o seu contrato de trabalho tiver uma cláusula de exclusividade, não pode, enquanto este estiver em vigor, trabalhar para outra entidade.
A exclusividade pode dizer respeito à proibição de acumular empregos ou trabalhos, mas também ao exercício de atividades complementares, como, por exemplo, um part-time pós-laboral ou ao fim de semana.
Apesar de não estarem previstas na lei, as cláusulas de exclusividade têm sido admitidas em determinadas situações, mediante uma recompensa económica como contrapartida. É o que acontece, por exemplo, quando a atividade desempenhada pelo trabalhador dá acesso a informações sensíveis ou a um know-how específico. Esta exigência de exclusividade tem, no entanto, de ficar registada por escrito.
Por isso, antes de aceitar um segundo emprego, releia o seu primeiro contrato de trabalho e garanta que não se comprometeu com um acordo de exclusividade com a empresa.
Há outras regras que me impeçam de trabalhar em duas empresas?
Além do acordo de exclusividade, existe o pacto de não concorrência, que apenas diz respeito ao período após o final do contrato de trabalho. O objetivo é assegurar que, durante um determinado período de tempo, o trabalhador que deixa uma empresa não vai trabalhar para um concorrente.
O pacto de não concorrência só é válido se constar do contrato de trabalho. Além disso, o período em que existe essa limitação à liberdade de trabalho não pode ser superior a dois anos.
Posso ter dois contratos de trabalho?
Pode ter dois contratos de trabalho, já que o duplo emprego não é ilegal. O facto de ter dois contratos até é uma forma de salvaguardar os seus direitos em ambos os empregos.
O mais importante é que ambos os contratos cumpram os pressupostos legais, por exemplo, no que diz respeito ao horário de trabalho, período de descanso e outras regras definidas na lei.
Antes de assinar um segundo contrato de trabalho, leia bem todas as cláusulas, para ter a certeza de que não há qualquer aspeto que dificulte a manutenção de dois empregos (como a rotação de horários, por exemplo).
Como fica o horário de trabalho?
Para cada emprego terá de ser definido um horário de trabalho, de acordo com as regras do Código do Trabalho: o período normal não pode exceder oito horas por dia e 40 horas por semana.
Assim, terá de acordar com o segundo empregador um horário de trabalho a tempo inteiro ou parcial que não coincida com o primeiro e que permita ter tempo para se deslocar entre ambos.
Quais as obrigações fiscais no duplo emprego?
Se tiver dois empregos ao mesmo tempo, as obrigações fiscais também são a dobrar, ou seja, terá de pagar IRS relativamente a cada um.
Ao trabalhar para duas empresas como trabalhador por conta de outrem, cada uma fará a respetiva retenção na fonte de IRS, de acordo com o salário bruto que lhe paga. Isto é, ambas lhe vão descontar um montante todos os meses. Na altura de prestar contas às Finanças, esses rendimentos vão constar do anexo A (trabalho dependente) da sua declaração de IRS.
Já se uma das atividades for a recibos verdes, as regras são ligeiramente diferentes. Nesse caso, pode ficar dispensado de retenção na fonte quanto aos rendimentos como trabalhador independente, desde que estes não atinjam os 14.500 euros em 2024. Se ultrapassar este limite, no próximo ano terá de fazer a retenção na fonte e começar a cobrar o IVA.
Além disso, ao preencher a declaração de IRS terá de entregar o anexo A (trabalho dependente) e anexo B (trabalho independente).
E quanto à Segurança Social?
Caso tenha dois empregos por conta de outrem vai descontar para a Segurança Social 11% do seu salário bruto em cada uma das empresas. O pagamento é feito pelos empregadores, mas o valor é descontado do seu ordenado.
Se acumular trabalho dependente com independente pode, no entanto, ter isenção de contribuições para a Segurança Social. Para isso é necessário que o rendimento médio mensal (o equivalente a 70% dos ganhos), apurado como trabalhador independente, seja igual ou inferior a 2.037,04 euros (4 vezes o valor do IAS).
Têm, ainda, de ser cumpridos os seguintes critérios:
- As duas atividades são prestadas a entidades diferentes e sem qualquer relação de grupo;
- Enquanto trabalhador por conta de outrem está a descontar para a Segurança Social ou enquadrado noutro regime de proteção social;
- O salário médio que recebe enquanto trabalhador por conta de outrem é superior a 509,26 euros (valor do IAS em 2024).
Se não cumprir estes requisitos, terá de apresentar uma declaração trimestral de rendimentos à Segurança Social e pagar, todos os meses, as contribuições devidas. Caso receba mais do que 2.037,04 euros, só paga Segurança Social sobre o valor que ultrapasse este limite.
Mais de 250 mil portugueses têm dois empregos
Trabalhar em duas empresas para conseguir pagar as despesas ou para ter uma almofada financeira é uma opção cada vez mais comum. Em 2023, o número de pessoas com duplo emprego em Portugal ultrapassou as 250 mil.
Ainda assim, e até porque esta escolha é bastante exigente em termos físicos e mentais, é importante encontrar outras formas de garantir mais liquidez.
Considere, por exemplo, outras soluções que permitam cortar na despesa, como a renegociação de contratos de telecomunicações ou o recurso ao crédito consolidado, de forma a baixar as prestações mensais e a ganhar alguma folga no seu orçamento mensal.