O seu patrão liga fora de horas? Conheça melhor o direito ao descanso

Chegar a casa e desligar. Deixar de lado tudo o que é trabalho, todos os problemas a resolver, todos os dramas profissionais que não afetam – ou pelo menos não deviam afetar – a nossa vida pessoal. Desligar do trabalho é um direito que há muito se defende, e que várias empresas aceitam e promovem, mas outras abusam da disponibilidade dos colaboradores. Isso tornou-se mais evidente com a pandemia e o crescimento do teletrabalho, quando de repente ter um portátil em casa e o smartphone à mão parecia significar estar pronto a responder a todas as solicitações da empresa. Com as alterações ao Código do Trabalho, o ‘direito ao descanso’ passa a estar definitivamente consagrado na lei. Conheça melhor o que muda e os seus direitos.
O que é o “direito ao descanso”?
Tal como a expressão indica, o ‘direito ao descanso’ indica que os trabalhadores devem poder libertar-se de questões profissionais fora do seu horário laboral, estejam em regime presencial ou em teletrabalho. Significa que não basta ter um telemóvel da empresa para o ter de atender 24 horas por dia; ou receber uma notificação de email e ser reforçado a responder imediatamente.
Na lei, esse direito fica definido do lado da empresa, sendo um “dever de desconexão” Na prática, significa que o empregador “tem o dever de se abster de contactar o trabalhador no período de descanso, ressalvadas as situações de força maior”, pode ler-se nas alterações ao Código do Trabalho aprovadas na Assembleia da República a 3 de novembro.
Há exceções ao “direito de descanso”?
Uma das propostas chumbadas previa um desligar total entre funcionário e empresa fora do horário de trabalho. No entanto, a maioria parlamentar acabou por aprovar uma proposta que inclui exceções, as chamadas “situações de força maior”. Apesar de não especificar que casos são esses, subentende-se que se trate de situações críticas – como incêndios, avarias ou outro tipo de acidentes – em que a intervenção de um determinado funcionário é essencial.
Apesar das mudanças na lei, o empregador pode tentar forçar os contactos com os seus trabalhadores. No entanto, estes ficam agora mais protegidos, não sendo obrigados a atender ou responder a um contacto, e podem até denunciar essas tentativas à Autoridade das Condições do Trabalho. Saiba também que a empresa não pode discriminar um trabalhador que se mostre menos disponível fora do seu horário de trabalho. A nova norma explicita que “qualquer tratamento desvantajoso, em matéria de condições de trabalho e de evolução profissional, dado ao trabalhador pelo facto de exercer o direito estabelecido no número anterior, constitui ação discriminatória”.
Há multas para as entidades patronais?
As violações relacionadas com o direito ao descanso constituem uma contraordenação grave. Segundo o jornal ECO, as multas associadas a esta norma podem ir de 612 euros a 9.690 euros, dependendo do volume de negócios da empresa e do grau de culpa. Para definição desse valor, o volume de negócios segue vários patamares, com a multa mínima a ser aplicada em empresas até 500 mil euros e a máxima a surgir nas empresas com 10 milhões de euros ou mais de faturação. Já o grau de culpa pode ser definido como negligência ou como dolo, subindo a multa para o dobro no caso de ser considerado dolo.
O que acontece aos trabalhadores com isenção de horário?
A generalidade dos trabalhadores tem o seu horário de trabalho bastante definido, pelo que a aplicação do direito ao descanso é simples. E será relativamente fácil chegar a acordo para um período antes e/ou depois desse horário em que o funcionário está disponível para ser contactado. O mesmo torna-se mais complicado no caso de colaboradores com isenção de horário de trabalho. Isenção não significa trabalhar mais horas do que o previsto no contrato, mas que esse horário pode abranger um período maior, a começar mais cedo e acabar mais tarde, com intervalos distintos. Gerir, nesse regime, o que é o tempo de descanso e esse direito, dependerá muito do bom senso de ambas as partes.
Quando entram em vigor as novas regras do “direto ao descanso”?
As novas normas do Código do Trabalho foram aprovadas no Parlamento a 3 de novembro de 2020, com votação final no dia 5. O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, promulgou a 25 do mesmo mês o decreto com as alterações à lei do trabalho, abrindo a porta para que as mudanças entrem em vigor em janeiro de 2022. Isto porque a entrada em vigor está prevista no primeiro dia do mês seguinte à publicação das normas em Diário da República.
O teletrabalho e o trabalho híbrido – pedidos pelos trabalhadores, promovidos pelas empresas ou forçados por circunstâncias sanitárias – vieram para ficar, são exemplos da evolução das sociedades e das economias. Num mundo cada vez mais digital e remoto, com tudo a acontecer no imediato e a qualquer hora, o direito ao descanso representa um passo importante na estabilidade das pessoas.