Direitos e Deveres

Direito ao esquecimento: sabe quem protege e como?

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direito ao esquecimento

Como se não bastasse todo o sofrimento enfrentado por quem passa por uma doença grave, há ainda inúmeras consequências de ordem prática que afetam a sua vida – algumas de forma bastante vincada – mesmo que o problema de saúde já esteja curado ou controlado. Este é o panorama vivido no nosso país, por pessoas que atravessam situações de saúde delicadas como cancro, VIH/sida, diabetes ou hepatite C, entre outras: na hora de contratarem um seguro ou um crédito, acabam por ser penalizadas devido ao seu historial clínico, mesmo que a doença esteja já resolvida ou mitigada, ou seja, sob controlo.

No entanto, a situação vai mudar já a partir de 1 de janeiro de 2022, com a aprovação, pelo Parlamento, do chamado “direito ao esquecimento”. O decreto da Assembleia da República veio alterar a Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto, pondo fim à discriminação de pessoas que tenham superado ou mitigado situações de risco agravado de saúde ou de deficiência, consagrando o direito ao esquecimento e reforçando o acesso ao crédito e a contratos de seguros, como se pode ler na nota publicada no site da Presidência da República, aquando da promulgação do diploma.

Fomos analisar esta lei à lupa e respondemos a três perguntas-chave:

O que diz a lei sobre o direito ao esquecimento?

No artigo 1.º do Decreto n.º 189/XIV, lê-se que este diploma “consagra o direito ao esquecimento a pessoas que tenham superado ou mitigado situações de risco agravado de saúde ou de deficiência, melhorando o seu acesso ao crédito e a contratos de seguro”. Isto significa que as pessoas que se curaram dos referidos problemas graves de saúde, ou que os mantêm sob controlo, têm direito ao esquecimento no momento em que pretendam contratar um crédito (para compra de habitação, por exemplo) ou um seguro, seja ele obrigatório ou facultativo. No artigo 3.º do referido Decreto são revelados os pormenores deste direito ao esquecimento:

  • O historial clínico destas pessoas não pode justificar o aumento de prémios de seguro ou de exclusão de garantias em contratos de seguro;
  • Antes da celebração do contrato, os bancos, as entidades financeiras ou as seguradoras não podem aceder a informação clínica do cliente sobre a situação que deu origem ao risco agravado de saúde ou deficiência;
  • As instituições de crédito ou seguradoras não podem, antes do contrato, aceder a informação clínica sobre um risco agravado de saúde ou de deficiência no caso de terem decorrido dez anos ininterruptos desde o final do tratamento que permitiu superar a doença ou a deficiência;
  • Caso a doença, entretanto superada, tenha atingido a pessoa antes dos 21 anos de idade, as instituições financeiras ou seguradoras também não podem recolher informação clínica relativa a um eventual maior risco de doença ou deficiência, desde que tenham passado cinco anos, sem interrupção, desde o final do tratamento;
  • Nos casos em que a doença ou deficiência se encontram mitigadas, isto é, sob controlo, as seguradoras e os bancos estão impedidos de aceder a informação médica sobre um maior risco de doença ou deficiência, desde que tenham decorrido dois anos de tratamento continuado e eficaz.
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Quem é que beneficia deste direito?

Com a presente lei ficam protegidas pelo direito ao esquecimento as seguintes pessoas:

  • Quem tenha superado uma situação de risco agravado de saúde após realização de um protocolo terapêutico que seja “comprovadamente capaz de limitar significativa e duradouramente os seus efeitos”. Na Lei n.º 46/2006 especifica-se que as pessoas com risco agravado de saúde são as que “sofrem de toda e qualquer patologia que determine uma alteração orgânica ou funcional irreversível, de longa duração, evolutiva, potencialmente incapacitante, sem perspetiva de remissão completa e que altere a qualidade de vida do portador a nível físico, mental, emocional, social e económico e seja causa potencial de invalidez precoce ou de significativa redução de esperança de vida”;
  • Quem comprovadamente tiver superado uma situação de deficiência igual ou superior a 60%, tendo recuperado as suas funções psicológicas, intelectuais, fisiológicas ou anatómicas;
  • Pessoas que comprovem que têm a sua doença ou deficiência sob controlo através de tratamentos eficazes;

E se houver incumprimento desta lei do direito do esquecimento?

O diploma é muito claro em relação às consequências que resultam da violação deste direito ao esquecimento. Se a discriminação for levada a cabo por pessoa singular, é considerada uma contraordenação punível com coima avaliada entre 5 e 10 vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida (RMMG), ou seja, tendo em conta os valores estipulados para o salário mínimo nacional em 2022, a coima pode variar entre os 3 525 e os 7 050 euros.

Se a contraordenação for cometida por pessoa coletiva de direito privado ou de direito público, a multa a aplicar situa-se entre 20 e 30 vezes o valor da RMMG, isto é, entre 14 100 e 21 150 euros. Em ambas as situações, pode haver ainda lugar a responsabilidade civil ou à aplicação de outra sanção.

O direito ao esquecimento foi promulgado no dia 11 de novembro pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e entra em vigor a 1 de janeiro de 2022.