Liderar no feminino: dicas para uma carreira de sucesso
Sofia tem 42 anos e lidera uma equipa na área de Marketing. Foi há cerca de seis anos que assumiu o seu primeiro cargo de chefia, à data à frente de uma equipa direta de três pessoas, mas com a colaboração indireta de mais dez. “Quando assumi esse cargo, num momento difícil da empresa onde trabalhava, não tinha noção das minhas capacidades para chefiar. Aliás, até diria que não as tinha”, revelou ao Contas Connosco. Os desafios quotidianos provaram que estava errada: “Percebi que tinha uma capacidade muito natural para liderar”.
Há quatro anos assumiu um novo desafio de liderança, noutra empresa, e com uma equipa bastante maior: cerca de 20 pessoas, homens e mulheres. “Ao longo destes anos fui encontrando a minha forma de liderar. Por exemplo: acredito muito que chefiar deve ser dar o exemplo e que, ser líder, é também ser um pouco uma psicóloga. Talvez seja isto que se apelida de chefiar no feminino, com mais sensibilidade. Não acho que interessar-me pelas pessoas que fazem parte da minha equipa seja uma perda de tempo, bem pelo contrário”.
Sofia trabalhou quase sempre em equipas maioritariamente femininas, ainda que lideradas por homens. Ainda hoje, reporta a homens. Mas não pensa que alguma vez tenha sido preterida por ser mulher. “Acho que tive sorte. Tenho trabalhado sempre com pessoas que olham para lá do sexo”.
Sofia lida bem com elogios sobre o seu visual, mas não vê isso acontecer relativamente a homens. Numa reunião, quer ser ouvida e não apenas vista.
Ainda assim, inúmeras vezes se viu em situações que sabe que apenas aconteceram porque é mulher: “Nunca, numa reunião, se diz a um homem que ele está muito bonito. Não digo que um elogio não seja agradável de ouvir, mas se estou numa reunião, não quero que estejam a reparar e a sublinhar o meu visual, quero que ouçam o que estou a dizer. Da mesma forma, se estou numa sala só com homens e um diz uma asneira, acho um absurdo que me peçam desculpam. É profundamente paternalista”.
No entanto, por vezes, são as próprias mulheres que se remetem para determinadas posições. “Quando engravidei, dei por mim quase a desculpar-me pelos incómodos que a minha ausência iria causar”, lembra a responsável de Marketing.
A verdade, conclui, é que “se não podemos permitir que determinados comportamentos sejam normalizados, com a desculpa de que ‘não foi por mal’; também não nos podemos vitimizar. Já foi feito um longo caminho rumo à paridade, mas ainda existe uma estrada muito longa pela frente”.
O género à frente do mérito?
Um estudo da consultora Mercer, divulgado em janeiro, indica que 85% dos cargos de administração ou fiscalização das empresas portuguesas são ocupados por homens. Também as informações salariais das 55 grandes empresas analisadas revelam uma grande discrepância: os homens têm em média um salário 20% superior. E essa diferença sobe ainda mais, para 30%, quando se junta a remuneração variável, muito comum em cargos de topo. Há ainda um longo caminho a percorrer.
Sabia que há estudos que indicam que as mulheres, sendo mais cautelosas, conseguem gerir melhor investimentos do que os homens?
Para Daniel Cotrim, psicólogo da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), “o género ainda está à frente da cultura de mérito” e “continuam a ser as desculpas dos homens a alimentar a desigualdade: a mulher engravida, vai ter filhos, vai passar mais tempo a tratar dos filhos”.
7 Dicas para uma carreira de sucesso no feminino
- Seja fiel a si própria. Se gosta de usar vestidos e saltos altos, use. Se prefere usar calça e casaco com calçado mais desportivo, use. Karen Lynch, presidente da CVS, gigante da área da saúde, contou que, em determinada altura da sua carreira, quando estava a ser sondada para um cargo de liderança, foi aconselhada a não usar rosa. Diziam que a fazia parecer mais miúda, como se a feminilidade do seu visual pusesse em causa as suas capacidades. Nunca deixou de usar rosa e conseguiu o cargo.
- Acredite em si e nas suas capacidades. Só ao acreditar em si e naquilo que é capaz de fazer será capaz de arriscar, fator determinante para se atingir o topo.
- Seja uma problem solver e não uma problem maker. As dificuldades existem em qualquer área de trabalho e posição hierárquica. No entanto, a capacidade de transformar os problemas em oportunidades é determinante para o sucesso.
- Aprenda a conciliar a vida profissional e pessoal. Isto não significa abdicar de uma em detrimento de outra, mas sim entender que em determinadas fases a vida profissional vai exigir mais dedicação e noutras será a vida pessoal a exigir mais. É importante procurar o equilíbrio. Seja organizada e eficaz no tempo em que está a trabalhar. E quando está em casa, dedique o seu tempo e atenção à família. Sobretudo tente não se culpabilizar.
- Tome decisões estratégicas. Defina os seus objetivos e seja estratégica nas tomadas de decisões. Isto pode significar um caminho mais difícil e menos óbvio, mas se souber onde quer chegar será mais fácil tomar as decisões que a levarão até lá. E fica também mais atenta às oportunidades que surjam e que efetivamente vão ao encontro dos seus objetivos.
- Descubra qual a sua forma de liderar. Uma mulher tem de ser apenas uma coisa: líder. Comece por descobrir qual a sua forma de liderar, mas consciente de que pedir conselhos não é sinal de fragilidade e ser solidária também não. Preocupar-se com aqueles que trabalham consigo ainda menos. Humanizar as chefias é uma caraterística positiva muitas vezes apontada às mulheres líderes, que não deve anular no seu comportamento se chegar ao topo. Bem pelo contrário.
- It gets lonely up there. Consciencialize-se de que os cargos de chefia são solitários. E podem ser ainda mais quando são ocupados por mulheres.
Lei da Igualdade Remuneratória: o que mudou?
Cento e quarenta e oito euros e noventa cêntimos. É esta, em média, a diferença de salários entre homens e mulheres, de acordo com a 2ª edição do Barómetro sobre Igualdade Remuneratória, revelado em 2020 e promovido pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. Apesar dos ligeiros sinais de diminuição desta diferença, o saldo continua muito negativo para as mulheres. O estudo indica que a disparidade salarial reduziu 0,4 pontos percentuais em 2018 face ao ano anterior, fixando-se em 14,4% – uma diferença de apenas 80 cêntimos.
A remuneração base média mensal registada foi de 1.034,9 euros para os homens, enquanto a das mulheres foi de 886 euros, a tal diferença de 148,9 euros. Isto cerca de um ano após a entrada em vigor, em fevereiro de 2019, da Lei da Igualdade Remuneratória.
O mesmo barómetro do Ministério do Trabalho conclui que o salário dos homens está acima da média e o das mulheres continua a estar abaixo. E a disparidade salarial varia entre um mínimo de 6,9% nas atividades administrativas e um máximo de 40,8% nas atividades dos organismos internacionais.
O trabalho em casa
Segundo o Índice de Normas Sociais e de Género, divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, nos 75 países avaliados (cerca de 80% da população mundial), nove em cada dez homens e mulheres têm alguma forma de preconceito contra a igualdade entre homens e mulheres. Um dado preocupante e que ilustra uma realidade: o preconceito existe em ambos os sexos. Muitas vezes, serão mesmo as mulheres a perpetuar hábitos matriarcais – sobretudo em países como Portugal, Espanha e Itália -, que tornam a conciliação entre a vida profissional e pessoal da mulher um dos grandes desafios no que diz respeito à igualdade.
Em países do sul como Portugal, Espanha ou Itália, muitas mulheres mantêm hábitos matriarcais, o que afeta a conciliação entre carreira e vida pessoal.
Já de acordo com o estudo As mulheres em Portugal, hoje, revelado em 2019 pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, as mulheres efetuam em média 74% das tarefas domésticas, contra os 23% do companheiro. Segundo o documento, que envolveu uma amostra de 2.428 mulheres, “serão necessárias cinco a seis gerações para que se alcance uma distribuição equilibrada das tarefas domésticas entre sexos”. E o desequilíbrio das tarefas domésticas “cria um gap negativo no tempo das mulheres, destinando-o mais ao trabalho do que a cuidar delas. Por isso, não é de estranhar que mais de 60% dizem sentir-se cansadas”.
Em pleno século XXI, ainda continuam a existir “mitos, estereótipos e crenças que alimentam os papéis de género”, explica o psicólogo Daniel Cotrim. Por isso, acredita, “a desigualdade é estrutural, é uma linha invisível que atravessa a sociedade portuguesa de uma ponta a outra”.
Ainda assim, o mais recente Índice sobre Igualdade de Género, do Instituto Europeu para a Igualdade de Género, coloca Portugal em 16.º lugar entre os 28 países da União Europeia, numa subida de cinco posições em relação ao ano de 2015. E destaca Portugal como um dos países da UE que mais medidas têm tomado. Mas o percurso tem de continuar a ser trilhado e com uma consciência comum: a igualdade de género é uma responsabilidade de todos, homens e mulheres.