Herança e partilha de bens: como funciona?
Daniela CunhaSaiba que procedimentos deve seguir para dividir uma herança e fazer a partilha de bens.
Após a morte de um familiar, existem sempre burocracias que têm de ser resolvidas. Se a pessoa tiver bens para dividir, é necessário fazer a habilitação de herdeiros, saber se existe um testamento e tratar de todos os procedimentos legais para que os bens do falecido sejam transmitidos para os seus herdeiros.
Quem pode herdar?
No caso de não existir um testamento, os herdeiros da pessoa falecida são o cônjuge, os parentes mais próximos e o Estado, pela seguinte ordem:
- Cônjuge e descendentes diretos (filhos ou netos);
- Cônjuge e ascendentes (pais ou avós);
- Irmãos e sobrinhos;
- Outros familiares até ao quarto grau (primos direitos, tios-avós e sobrinhos-netos);
- Estado.
Os herdeiros legítimos podem ser deserdados?
Sim, mas apenas em situações muito específicas. A deserdação tem de ser declarada e justificada em testamento e só pode acontecer se o herdeiro tiver cometido algum crime com pena superior a seis meses de prisão, denúncia caluniosa ou falso testemunho contra a pessoa, o seu cônjuge, descendentes ou ascendentes ou se tiver recusado, sem justa causa, os devidos alimentos.
Como saber se existe testamento?
Antes do falecimento, todas as informações relativas à existência de um testamento são confidenciais e só podem ser divulgadas à própria pessoa ou a quem tiver uma procuração com poderes especiais. Depois do óbito, as informações passam a ser do domínio público e podem ser requisitadas por qualquer pessoa.
Para saber se existe um testamento, deve pedir a “certidão sobre a existência de testamento, escritura de renúncia ou repúdio de herança ou legado”. O pedido pode ser feito online, nos serviços do Instituto de Registos e Notariado (IRN), ou na Conservatória dos Registos Centrais, em Lisboa, e devem ser indicados:
- Os dados da pessoa que faleceu (nome, data de nascimento, nome dos pais e naturalidade);
- A data e o local da morte;
- A Conservatória do Registo Civil onde está registado o óbito, o ano e o número do registo.
O requerimento tem um custo de 25 euros, que deve ser pago no prazo de 48 horas. Depois de feito o pagamento, a certidão é enviada por correio para a morada indicada. Para aceder ao testamento, caso este exista, deve autenticar-se com o Cartão de Cidadão no site do IRN.
Que bens podem ser herdados?
Os herdeiros da pessoa falecida podem herdar:
- Bens imóveis (casas, terrenos, sepulturas e jazigos);
- Bens móveis (veículos, barcos, ouro, obras de arte e armas);
- Direitos de autor, contas bancárias, ações, dinheiro, quotas em empresas, e estabelecimentos;
- Títulos, certificados de dívida, pensões e rendas.
- Dívidas, hipotecas, penhores e impostos.
Se herdar uma arma de fogo, tem de comunicar o recebimento à PSP no prazo de 90 dias a contar da data de falecimento do anterior proprietário ou da descoberta da arma. Contacte os serviços de licenciamento da PSP para saber como proceder.
Como saber que bens existem para herdar?
Havendo um testamento, é mais fácil saber quem herda o quê. No entanto, na falta deste documento, é necessário descobrir o que é que a pessoa falecida possuía. Tendo em conta o tipo de bem, os procedimentos são diferentes.
Bens móveis e imóveis
Uma vez que se tratam de bens sujeitos a registo e ao pagamento de impostos, pode verificar a sua existência no Portal das Finanças, desde que tenha acesso aos dados de autenticação da pessoa falecida. Os bens imóveis também podem ser procurados na Conservatória do Registo Predial e os veículos podem ser encontrados através do Instituto de Mobilidade e dos Transportes Terrestres.
Contas bancárias
As informações sobre contas bancárias podem ser pedidas presencialmente, em qualquer posto de atendimento do Banco de Portugal, ou online, através da Base de Dados de Contas do Banco de Portugal. Para fazer o pedido, deve apresentar:
- Documento de identificação do requerente;
- Escritura de habilitação de herdeiros, em que o requerente conste como herdeiro. Em alternativa, e caso seja descendente direto, pode apresentar a certidão do registo civil do assento de óbito;
- Documento de identificação do titular da conta;
- Número de contribuinte, através de uma declaração emitida pelas Finanças, caso a identificação fiscal da pessoa falecida não conste na habilitação de herdeiros.
Ações e outros valores mobiliários
As ações e outros valores, como obrigações, são da competência da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), que emite uma declaração comprovativa dos valores do falecido. No entanto, para ter acesso à certidão já tem de ter conhecimento desses valores, uma vez que a CMVM não dá informações sobre os produtos que a pessoa falecida detinha, mas apenas emite uma declaração onde consta, por exemplo, a cotação das ações ou o valor nominal dos produtos.
O pedido deve ser feito à CMVM pelo cabeça-de-casal, que deve indicar a identificação completa dos produtos e solicitar o envio do formulário e da documentação necessária para aceder à informação. Também devem ser enviadas a certidão de óbito e cópias dos documentos de identificação da pessoa falecida e do requerente.
Certificados de Aforro ou do Tesouro
As informações sobre a existência de Certificados de Aforro ou do Tesouro vão passar a ser automaticamente comunicadas aos herdeiros, já que a Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública vai disponibilizar os dados à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
No entanto, estas informações também podem ser pedidas àquela agência através do preenchimento de um formulário online. O pedido de informação deve ser acompanhado dos documentos de identificação do requerente e do titular falecido.
Planos de poupança e seguros de vida
Para saber se existem planos de poupança ou seguros de vida de que seja beneficiário, deve contactar a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, através do preenchimento de um formulário. Também deve apresentar a certidão de óbito e o documento de identificação do falecido.
Dívidas e encargos
Para saber se a pessoa falecida tinha alguma dívida à AT ou se existe algum processo de execução fiscal em curso, deve aceder ao Portal das Finanças com as credenciais do falecido. Caso existam, pode ser mais vantajoso repudiar a herança. Mas atenção: ao fazê-lo terá de renunciar, também, a quaisquer valores que existam.
Como transferir os bens para os herdeiros?
Há uma série de passos que precisa de seguir para proceder à partilha dos bens e à sua transferência para os herdeiros.
Certidão de óbito
O primeiro passo é sempre obter a certidão de óbito, que identifica a pessoa que morreu, bem como a data, hora e local da morte. O pedido pode ser feito online ou presencialmente, num balcão do Registo Civil, numa Loja de Cidadão, no Espaço Registos do IRN ou num consulado português. A certidão tem um custo de 20 euros, mas, se for pedida pela internet ou para fins de Segurança Social ou abono de família o preço desce para metade.
Definição do cabeça-de-casal
Havendo bens, é necessário definir o cabeça-de-casal, que é quem administra a herança até serem feitas as partilhas. O cargo de cabeça-de-casal é atribuído pela ordem seguinte:
- Cônjuge, se for herdeiro ou tiver direito a metade dos bens do casal;
- Testamenteiro, caso não haja um cônjuge nas condições especificadas;
- Herdeiro legal que seja o familiar mais próximo, caso não exista um testamenteiro;
- Herdeiro testamentário, se não existirem herdeiros legais.
Se houver mais do que um herdeiro legal com o mesmo grau de parentesco, dá-se preferência ao familiar que vivia com a pessoa falecida há pelo menos um ano. Havendo mais do que uma pessoa nesta situação, é cabeça-de-casal o herdeiro mais velho. Caso nenhum dos herdeiros queira assumir o cargo, podem escolher outra pessoa para o fazer, mas desde que todos estejam de acordo.
Comunicação do falecimento e relação de bens
Tendo a pessoa deixado bens que têm de ser registados, é obrigatório comunicar o falecimento às Finanças. O cabeça-de-casal tem até ao final do terceiro mês a seguir ao mês do óbito para o fazer (por exemplo, se a pessoa morreu em setembro, a comunicação deve ser feita até 31 de dezembro).
A participação do óbito é feita entregando o Modelo 1 do Imposto de Selo e os anexos I e II, que dizem respeito à identificação dos bens que fazem parte da herança e dos seus valores e ao tipo de herdeiro, respetivamente. Esses formulários podem ser obtidos diretamente no site da AT, ou pode pedi-los num balcão das Finanças. Para comunicar o falecimento, o cabeça-de-casal deve entregar ainda:
- Certidão de óbito;
- Cartão de cidadão da pessoa falecida;
- Cartão de cidadão dos herdeiros;
- Testamento ou escritura de doação ou justificação, caso exista.
A transmissão de bens está isenta de Imposto de Selo para os cônjuges, ascendentes e descendentes. Para os restantes herdeiros, é cobrado este imposto à taxa de 10%.
Habilitação de herdeiros
A habilitação de herdeiros é o documento que comprova quem são os herdeiros e indica que não existe mais ninguém que possa reclamar a herança. É obrigatória sempre que existam bens móveis ou imóveis para herdar e só pode ser pedida pelo cabeça-de-casal ou por algum representante legal deste. Dependendo do local onde é feito o pedido, os documentos necessários variam.
Se pedir a habilitação de herdeiro num Cartório, tem de apresentar:
- A certidão de óbito da pessoa que morreu;
- Documentos que comprovem a sucessão legítima (certidão de casamento, caso a pessoa falecida seja o cônjuge, e certidões de nascimento de todos os herdeiros);
- Certidão de teor do testamento ou escritura de doação por morte, caso existam;
- Documento comprovativo do pagamento do Imposto de Selo, se existir um testamento e se o imposto não tiver sido pago no Cartório.
Se o documento for pedido no Espaço Óbito ou num Balcão de Heranças, precisa de:
- Documento de identificação de todos os herdeiros, incluindo números de contribuinte;
- Listagem de todos os bens que pertenciam à pessoa falecida;
- Indicação de como foi feito o acordo de partilhas.
Ainda que não seja obrigatório, o processo de habilitação de herdeiros deve ser feito até ao final do terceiro mês após a morte da pessoa. O pedido de habilitação de herdeiros simples tem um custo de 150 euros, ao qual acrescem 50 euros, caso as pessoas titulares sejam casadas entre si. Além deste valor, podem ainda ser cobrados os custos das consultas às bases de dados do IRN, que variam entre 10 e 25 euros.
Pedir a partilha e registo da herança
Qualquer herdeiro tem o direito de exigir a partilha dos bens, que não pode ser renunciada. No entanto, o pedido de partilha e registo da herança nos serviços públicos só pode ser feito pelo cabeça-de-casal ou por um representante legal deste. Este procedimento pode ser feito ao mesmo tempo que a habilitação de herdeiros, ou mais tarde, mas nunca antes de os herdeiros estarem habilitados. Para pedir a partilha é necessário apresentar:
- Documento de identificação do cabeça-de-casal ou do seu representante legal;
- Identificação de todos os interessados, incluindo os números de contribuinte;
- A relação de bens que integram a herança, isto é, a lista de todos os bens apurados, e o valor atribuído a cada um;
- Os termos do acordo de partilha, ou seja, os termos em que os herdeiros acordaram preencher os respetivos quinhões.
Feita a partilha, o Balcão das Heranças procede de imediato ao registo dos bens transmitidos a cada um dos herdeiros. A partilha e registo da herança tem um custo de 375 euros e, caso seja feita juntamente com a habilitação de herdeiros, passa a custar 425 euros. A estes valores podem ser somados outros custos, como o registo de aquisição de bens.
Divisão dos bens
Depois de serem chamados, os herdeiros têm 15 dias para aceitar ou repudiar a herança. Se não o fizerem dentro desse prazo, o Tribunal pode notificá-los e definir um prazo para declararem se aceitam ou repudiam os bens. Na falta de declaração de aceitação ou de repúdio, considera-se que a herança foi aceite. O prazo para aceitar a herança caduca ao fim de 10 anos.
Geralmente, a partilha é feita num Cartório. Mas, se não houver acordo entre os interessados, a distribuição dos bens pode ser feita por meio de inventário. Os bens são divididos em tantas partes quantos forem os herdeiros, no entanto, a quota do cônjuge nunca pode ser inferior a ¼ da herança. Caso não exista cônjuge, a herança é dividida pelos descendentes (ou ascendentes) em partes iguais.