Direitos e Deveres

Dívidas? Tudo tem solução.

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Dívidas

O tema é transversal. O conceito de dívida tem origem no latim debita e remete para a obrigação que uma pessoa tem de pagar ou reembolsar algo (regra geral, dinheiro) a outra pessoa. Pode falar-se em dívida pública, ou em “obrigação” moral, mas quando falamos de dívida no contexto pessoal, acerca de nós, cidadãos, as dívidas são contas a pagar. Podem ser contraídas quando pede um empréstimo ou quando adquire algo a prestações ou então com pagamento diferido.

Quase todas as pessoas têm dívidas. Contraímos dívidas quando pedimos um crédito à habitação, quando compramos um carro a prestações ou quando nos atrasamos no pagamento de um imposto, por exemplo.  

O problema é que, por vezes, o acumular de dívidas leva à incapacidade financeira de cumprir todos os compromissos, ao fim do mês. Várias pequenas dívidas, acrescidas de juros, podem levar a incumprimentos e atrasos, até chegar ao ponto em que parece não haver solução.

Se esta é uma situação que lhe é familiar, mantenha a calma. Tudo tem solução, mesmo que parece quase impossível. Ao longo deste artigo, falaremos de vários tipos de dívidas e de como podem ser solucionadas.

Em primeiro lugar, tenha presente que um atraso pode não ser um incumprimento de crédito. O incumprimento de uma prestação é algo que o banco ou instituição financeira reporta à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal. No entanto, pode acontecer atrasar o dia de pagamento da prestação e esse atraso não ser reportado. Regra geral, há incumprimento se ficar efetivamente sem pagar uma prestação mensal. Tenha em conta que, quando isto acontece, haverá depois custos associados, uma vez que ser-lhe-ão cobrados juros de mora e, por vezes, também uma penalização, além do valor da prestação mensal.

Se efetivamente o que aconteceu consigo não foi um atraso, mas uma situação de incumprimento, o mundo também não acaba por isso. É óbvio que não é bom não cumprirmos os nossos compromissos, mas é possível encontrar soluções.

A consequência mais direta do incumprimento é ficar reportado no mapa do BDP. O que é que isso quer dizer? Entre outras coisas, que ficará inibido de aceder a novos créditos. No entanto, o seu nome não tem de ficar na “lista negra” para sempre. Quando regularizar o atraso ou chegar a acordo com o credor, a designação de “incumprimento” deixa de constar do mapa. Saiba que o mapa do BdP reporta sempre ao mês anterior, por isso não estranhe se a sua situação demorar algum tempo a ser regularizada.

Quando dizemos que tudo se resolve, é preciso explicar que, neste caso, o tempo não é um aliado. Deixar arrastar as situações de incumprimento só vai agravar tudo. Se passarem vários meses, corre o risco do processo seguir vias de execução coerciva. E de ver o seu salário penhorado, o que só irá piorar ainda mais a situação.

Quando as dívidas se acumulam e as situações de incumprimento se arrastam, o ordenado está penhorado e não tem outras fontes de rendimento ou forma de resolver a situação, pode fazer sentido chegar a acordos judiciais. Imaginando que o seu salário está penhorado para os próximos 20 anos e que já não tem casa, ou carro, ou qualquer outro património que possa vender para pagar as dívidas, poderá recorrer a um Plano de Pagamento Judicial para Pessoas Singulares ou mesmo à Insolvência Particular. É uma situação extrema e pouco desejável, mas existe, para a resolução de casos sem outras saídas.

DÍVIDAS AO ESTADO

Quando falha o pagamento de prestações ao Estado, seja por dificuldades financeiras ou por esquecimento, pode dar origem a um processo de execução fiscal. Nesse caso, arrisca-se a ver os seus bens penhorados e vendidos.

Um processo de execução fiscal é uma ação judicial que é praticada por órgãos administrativos (Finanças ou Segurança Social) e que visa a cobrança coerciva de dívidas ao Estado e/ou a outras pessoas coletivas de direito público. Através deste processo podem ser cobrados impostos, taxas, coimas, entre outras sanções. Além do montante correspondente à dívida, ainda será terá de pagar juros de mora e custas processuais.

Uma vez instaurado o processo, o executado (a pessoa que tem a dívida) é citado, ficando a saber que foi proposta contra ele uma execução e qual o montante em dívida. Nesta citação serão comunicadas as soluções de que dispõe. Regra geral, o processo termina com o pagamento voluntário da dívida e dos encargos acrescidos. Mas quando isto não acontece, poderá avançar-se para a penhora e venda judicial dos bens do executado.

Se alguma vez receber uma citação para um processo de execução fiscal, saiba que terá as seguintes opções: pagar a dívida e os custos acrescidos no prazo de 30 dias; requerer o pagamento em prestações; ou propor a dação em pagamento. O pagamento faseado pressupõe a apresentação de uma garantia idónea (garantia bancária, caução, seguro-caução, imóveis, etc.), mas existe a possibilidade de pedir a dispensa da prestação de garantia. Em todos os casos, a execução extingue-se após o pagamento das prestações acordadas.

Por último, deve saber que pode ainda deduzir oposição à execução fiscal. Isto significa que se opõe à execução fiscal. Tem 30 dias a contar da citação para o fazer, evocando um dos fundamentos previstos na lei (ilegalidades em relação ao imposto, taxa ou contribuição à data dos factos a que respeita a obrigação fiscal, ilegitimidade das pessoas citadas e prescrição da dívida, por exemplo). Convém realçar que a oposição não irá, por si só, suspender a execução, a menos que seja prestada garantia idónea ou a penhora para garantir a totalidade da dívida e dos encargos acrescidos.

Uma vez passado o prazo de 30 dias sobre a citação sem que o pagamento seja efetuado, o processo de execução fiscal segue os seus trâmites legais. Os bens são penhorados e o processo termina com a venda judicial desses bens. Podem ser alvo de penhora, através do processo de execução fiscal, imóveis, carros, joias, créditos, vencimentos, depósitos em contas bancárias, ações, entre outros tipos de bens.

O que acontece se não houver bens para penhorar? A execução é dada como extinta, mas processo pode ser reaberto a qualquer altura, se vierem a surgir bens passíveis de penhora.

Falamos agora concretamente no caso das dívidas à Segurança Social. Sabia que as dívidas à Segurança Social aumentam cerca de 2 milhões de euros por dia? Os números foram revelados por um parecer do Tribunal Constitucional (TC) datado de dezembro de 2016.

Dado o peso deste tipo de dívida, explicamos com mais pormenor como regularizar e pagar as dívidas à Segurança Social. Pode fazê-lo através de várias modalidades:

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1.Pagamento integral

Assim que é notificado (receberá em casa a Citação de Dívida) pode optar por pagar a dívida de uma só vez. Tem 30 dias, desde a data da notificação, para efetuar o pagamento do valor. A referência para esse pagamento está incluída na Citação ou no Documento Único de Cobrança (DUC), que poderá ser pedido por e-mail ([email protected]) ou por telefone (300 036 036).

Poderá fazer o pagamento em qualquer balcão da Segurança Social, por Multibanco, Débito Direto ou nos Bancos Aderentes.

Atenção, que se fizer o pagamento integral dentro desse prazo ficará isento de pagar juros de mora e as respetivas custas processuais.

2. Pagamento em prestações

Para pagar a sua dívida à Segurança Social em prestações, deverá preencher este requerimento e enviá-lo por e-mail ([email protected]). Quando o pedido for aprovado, passará a receber todos os meses um DUC com o valor da prestação a ser paga. Se as dívidas já se encontrarem em Processo Executivo, os particulares podem pagar em 60 prestações, caso o valor da dívida seja inferior a 3.060 euros. Se o valor for superior a este montante, a dívida pode ser paga em 150 prestações (12 anos e meio).

3. Dação

É a solução mais drástica, mas existe como uma das hipóteses para saldar as dívidas à Segurança Social. Tem 30 dias úteis desde a receção da citação para pedir a dação em pagamento. Ao fazê-lo, está a propor entregar um imóvel à Segurança Social para regularizar a dívida. Como se processa? A Segurança Social vai pedir uma avaliação do imóvel e dar-lhe uma resposta, em relação à aceitação da dação, algo que só acontecerá se o imóvel em questão estiver livre de ónus e encargos.

O ÚLTIMO RECURSO: A INSOLVÊNCIA PESSOAL

A insolvência pessoal pode ser o último recurso para pessoas que não têm mesmo condições para pagar as dívidas, estado em situação de sobre-endividamento. O objetivo da insolvência é evitar que o devedor fique para sempre com dívidas que não consegue pagar.

Um processo de insolvência de pessoa singular implica recorrer à via judicial. Começa com um pedido escrito dirigido ao tribunal da área de residência do devedor. O processo é complexo, pelo que é aconselhável recorrer a um advogado.

No caso da insolvência pode acontecer, ou não, a venda dos bens do insolvente. Há alternativas. A resolução pode passar por um plano de pagamentos em que sejam acordados adiamentos de prazos, garantias, perdões parciais ou totais de dívida, entre outras opções.

Uma vez decorrido o processo e declarada a insolvência pessoal, o tribunal delineia um plano de pagamentos aos credores e é nomeado um administrador judicial que fica responsável por gerir o dinheiro do devedor. Isto significa que a pessoa devedora fica impedida de fazer a gestão do seu dinheiro.

OUTRAS QUESTÕES RELACIONADAS COM DÍVIDAS

Fiadores.

O fiador é a pessoa que dá garantias pessoais – através de bens patrimoniais – para o pagamento das dívidas de um devedor sob a forma de fiança. A fiança é uma garantia especial e pessoal das obrigações. Cada vez que o devedor não conseguir cumprir a sua parte do pagamento da dívida, o fiador fica obrigado a fazê-lo e assume esse compromisso: deverá pagar tudo o que o devedor não conseguiu. Saiba aqui tudo sobre ser fiador ou pedir um fiador.  É possível deixar de ser fiador ? Basicamente, um fiador não pode simplesmente desistir de o ser, porque a fiança só se extingue quando se extinguir a dívida a que está associada. Mas existem algumas possibilidades para se deixar de ser fiador. Uma delas passa por tentar renegociar os termos inicialmente acordados com todas as partes envolvidas: fiador, credor e devedor principal. Se existir um novo fiador ou forem apresentadas outras garantias reais, como a hipoteca sobre imóveis, poderá conseguir deixar de ser fiador. Mas a realidade é que pode não ser fácil encontrar um novo fiador.

Prescrição de dívidas.

Existem dívidas que prescrevem em 6 meses. Outras em 20 anos. O prazo de prescrição de dívidas vem regulado no Código Civil e refere-se à extinção de um direito e da respetiva obrigação. Descubra os prazos em que prescreve cada tipo de dívida.

Herança de dívidas dos pais.

Os filhos herdam dívidas dos pais? A dúvida é legítima, mas a lei não deixa margens para dúvida. Segundo a lei, quem herda, herda tudo: ativos e passivo. Quando a herança traz dívidas, pode tornar-se num presente envenenado para os descendentes.

Ninguém é obrigado a aceitar uma herança e respetivas dívidas. Por isso, é importante pensar em todas as questões que envolvem a sucessão de bens, porque pode levar à herança também de dívidas, da mesma forma que se herdam bens como casas, carros, mobílias ou joias.

As dívidas podem ser pagas com o património da pessoa falecida, mas se este for insuficiente para cobrir todas as obrigações, a responsabilidade recai sobre os herdeiros. Por isso, esta opção pode não ser a mais recomendável.

Em alternativa, pode aceitar a herança a benefício de inventário. É feita uma relação dos ativos e dos passivos da herança e fica definido que o ativo A paga o passivo B. Esta opção tem a vantagem de permitir uma separação total entre o património da pessoa falecida e o património dos herdeiros.

Mas os descendentes têm ainda uma terceira opção: repudiar a herança. A lei prevê que o herdeiro possa não aceitar a herança. Quando um herdeiro rejeita a herança, a sua parte passará para os herdeiros seguintes na cadeia de sucessão. Este mecanismo legal pode ser a melhor escolha quando não se sabe exatamente quais são os ativos e os passivos da herança.

Ter ou herdar dívidas são questões que assombram qualquer um. Por todo o lado conhecemos relatos de casais desavindos por causa de dívidas e de filhos que herdam, além do património, dívidas. É importante esclarecer que uma pessoa não pode ser responsabilizada por dívidas contraídas por um irmão. E que um pai ou mãe também não têm de pagar contraídas por um filho “maior e vacinado”, se não forem fiadores. Que uma herança é dividida em partes iguais pelos herdeiros e que, se um deles tiver dívidas, apenas a sua parte da herança será implicada. Mas como em tudo, há exceções, pormenores e leituras que se fazem nas entrelinhas e que apenas um advogado ou outro especialista na matéria poderão ajudar a esclarecer.

Aquilo que queremos que retenha é que, por mais negro que pareça o cenário, há sempre uma solução.

 

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