Como receber uma herança
Quando um familiar morre, por muito difícil que seja andar a tratar de papéis, há uma série de burocracias que têm de ser resolvidas, e em especial quando há bens para dividir. Para receber uma herança há que tratar de documentação e seguir alguns procedimentos, de forma a que os bens do falecido transitem para os seus herdeiros legais.
Tratar do registo do óbito
A primeira coisa a fazer após a morte de alguém é tratar do registo do óbito. No prazo de 48 horas, um familiar deve dirigir-se à Conservatória do Registo Civil com o certificado de óbito e um documento de identificação da pessoa falecida. Após o registo dar entrada na conservatória é emitida a certidão de óbito e a morte da pessoa torna-se oficial.
Fazer a habilitação de herdeiros
Depois é preciso fazer uma habilitação de herdeiros para identificar os herdeiros dos bens do falecido. Este documento, que é formalizado através de uma escritura pública, no cartório ou num balcão de heranças, é imprescindível para que os herdeiros provem que o são de facto. É também com a habilitação de herdeiros que é possível movimentar contas bancárias ou registar os imóveis ou bens móveis da pessoa falecida.
Por norma, se o falecido fosse casado ou vivesse em união de facto, as partilhas são conduzidas pelo cônjuge, que se constitui cabeça-de-casal. Será esta a pessoa responsável pela administração da herança até à sua partilha.
Caso se tratasse de alguém viúvo(a), a tarefa cabe ao testamenteiro (a pessoa escolhida em vida pelo falecido). Se a escolha do testamenteiro não foi feita em vida, a condução das partilhas fica a cargo dos parentes que forem considerados herdeiros legais ou outros herdeiros testamentários.
Quem pode herdar?
Por norma e, de acordo com a legislação portuguesa em vigor, os bens são transmitidos aos herdeiros legítimos. Isto significa que os herdeiros mais chegados do falecido são os primeiros a ser chamados à herança. A ordem para herdar é a seguinte: o cônjuge e descendentes diretos (filhos ou netos); o cônjuge e ascendentes (pais e avós); irmãos e descendentes; parentes mais afastados até ao 4º grau. Caso não existam familiares, herda o Estado.
No caso de alguém querer deixar bens – ou dinheiro – a alguém específico, essa vontade tem de ficar expressa por escrito, em vida, através do testamento. Este documento é também a forma de reconhecer a existência de dívidas, substituir um testamento anterior, perfilhar ou deserdar alguém, e de indicar substitutos para os herdeiros, caso estes não possam ou não queiram aceitar a herança.
O testamento é ainda uma forma de deixar bem expresso o tipo de cerimónia fúnebre e outros desejos que a pessoa queira ver respeitados após a morte. Porém, quando há um testamento e nele estão nomeados como herdeiros outros que não os legítimos, estes apenas herdam uma quota da herança, pois a lei protege o cônjuge, os ascendentes e os descendentes – os herdeiros legitimos – garantindo-lhes sempre uma parcela do património.
Na prática, uma pessoa não pode decidir com inteira liberdade como quer distribuir a sua herança. Os herdeiros legítimos (cônjuge, descendentes e ascendentes) terão sempre direito à quota legítima. “A quota legítima é de metade se for chamado a suceder apenas o cônjuge ou quando forem chamados a suceder apenas os pais do falecido, sendo de um terço se forem chamados ascendentes de segundo grau ou seguintes, essa quota é ainda de metade se for chamado apenas um descendente. Em todos os outros casos a quota legítima é sempre de dois terços do valor da herança”, esclarece o site Sucessões na Europa, da responsabilidade da Conselho de Notários da União Europeia. No caso de uma pessoa casada com dois filhos, dois terços do valor da herança serão automaticamente distribuídos pela sua mulher e os dois filhos. Esta pessoa apenas poderá decidir sobre a distribuição dos seus bens relativamente a um terço do seu património. Essa parcela pode ser deixada a qualquer outro beneficiário, mesmo que não seja familiar.
De notar que não é obrigatório aceitar uma herança. Mas quem não quiser herdar tem de expressar essa vontade por escrito.
A relação de bens é obrigatória
A relação de bens é obrigatória, mas este processo é diferente conforme seja para entregar no âmbito de um inventário ou para entregar nas Finanças. No primeiro caso, o cabeça de casal, deve especificar os bens deixados pelo falecido discriminando os títulos de crédito, o dinheiro, os objetos de ouro, prata e pedras preciosas, os bens móveis e os bens imóveis, e todos os outros bens em causa. O cabeça de casal deve ainda especificar o valor de cada bem e as dívidas. Depois, a relação de bens deverá ser entregue num cartório notarial.
Caso haja algum erro, os herdeiros podem reclamar o seu conteúdo, alegando falta de bens, património indevidamente incluído ou erros na descrição dos bens. Se as reclamações forem justificadas, o cabeça de casal tem de fazer as devidas correções, pois é este o documento que deverá permitir a distribuição justa da herança.
Se a relação de bens for para entregar nas Finanças para proceder ao pagamento do Imposto do Selo, a identificação do património é feita através de documento próprio das Finanças. O património herdado está sujeito ao Imposto do Selo, à taxa de 10%, havendo casos em que a lei isenta os herdeiros do pagamento do imposto. De qualquer forma, é obrigatório participar um óbito às finanças até ao final do terceiro mês após a morte.
A partilha de bens numa herança
A partilha dos bens é o último passo a ser dado para receber uma herança. Havendo concordância entre os herdeiros, a partilha é feita de forma informal e rápida. Mas quando o património inclui bens imóveis – casas e terrenos – a partilha tem de ser feita por escritura em cartório notarial. No caso de os herdeiros estarem em desacordo a partilha é feita por inventário – tornando-se mais demorada – no cartório ou, em casos mais complexos, com recurso a tribunal. Para que a partilha seja feita é necessário o sempre o inventário dos bens. É nomeado um cabeça de casal e tem lugar uma conferência preparatória para decidir a parte que cabe a cada herdeiro.
Quando não há acordo quanto à divisão de bens, realiza-se uma conferência de interessados e os bens são atribuídos de acordo com propostas – em carta fechada – dos herdeiros. No final da conferência preparatória ou da conferência de interessados, o processo de inventário é enviado para o tribunal para homologação da partilha.
Como saber se sou herdeiro e se há bens para herdar
Para alguém saber se tem direito a uma herança, deve começar por tentar saber se o falecido deixou um testamento. Este tipo de informação é prestado a qualquer pessoa e pode ser feito no portal do Instituto dos Registos e Notariado. Ao fazer o pedido deve dar o maior número possível de elementos da pessoa em causa: nome, data de nascimento, naturalidade e filiação, data e lugar do óbito, bem como o local onde o mesmo foi registado.
Como saber o que há para herdar
Para saber que bens ou dinheiro o falecido deixou há-que ‘seguir o rasto’. Para saber que dinheiro existe, consulte extratos bancários, recibos de seguros ou outro tipo de correspondência. Os beneficiários de seguros de vida e acidentes pessoais são identificados nas apólices, mas como as seguradoras não têm as moradas ou contactos, por vezes os beneficiários das apólices não são informados. Por isso, se suspeita que tem um seguro a seu favor, deve contatar a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões e, assim, fica esclarecido.
Quanto às contas bancárias, é possível saber o que é que o falecido tinha através do Banco de Portugal. O pedido é gratuito, mas apenas pode ser solicitado pelo cabeça de casal. Se suspeita que o falecido podia ter certificados de aforro ou do tesouro, então deve contactar a Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública – IGCP – EPE. Mas se ele investia em ações e obrigações através de um corretor, pode ser um pouco mais complicado, já que não há um mecanismo que centralize as informações.
Como transferir dinheiro e bens para os herdeiros legais
Para receber os bens e dinheiro herdados, é preciso apresentar a certidão de óbito e a habilitação de herdeiros à instituição onde estão depositados os ativos financeiros. Os herdeiros devem também provar que o imposto de selo relativo à transmissão dos depósitos está pago ou, caso se verifique a isenção do imposto, que declararam a transmissão de bens às finanças. Os valores em contas a prazo ou à ordem podem ser transferidos para contas dos herdeiros através da apresentação da habilitação de herdeiros. O mesmo é válido para os capitais de seguros que devem ser resgatados e atribuídos aos beneficiários mediante este documento. Para transferir Certificados de Aforro e outros títulos da dívida pública, os herdeiros devem ir à Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública.
E como quem herda bens, também herda dívidas – caso existam – saiba que as dívidas do falecido só são pagas até se esgotar o valor correspondente ao da herança. Porém, o herdeiro poderá ter de provar aos credores que já não há mais bens para saldar a divida. Afinal onde há direitos, há deveres.
Por fim, e não menos importante, saiba que tem dez anos para decidir se aceita ou recusa uma herança.