Penhora de vencimento: como calcular e reagir
Carlos ainda não tem 40 anos e trabalha no ramo alimentar. Em 2018, “estava a lutar pela guarda partilhada” da filha e recebeu apoio da Segurança Social para “ajudar nas despesas de tribunal”. Qual não é o seu espanto quando, “passado quase um ano” é-lhe cobrado um montante superior a mil euros e penhorado parte do ordenado: “Penhoraram 250 euros por mês durante quatro meses. Ficava com o ordenado mínimo porque não podiam retirar sobre esse. Mas só soube da penhora pela empresa, depois de terem retirado a primeira prestação”.
Carlos garante que nunca recebeu qualquer aviso ou notificação por parte da Segurança Social “apesar de eles dizerem que sim”. Por isso, tentou contestar: “A advogada apresentou um recurso na Segurança Social, mas foi negado. Disseram que, quando fui avisado da penhora, não recorri nos 10 dias úteis previstos. Pedimos esse comprovativo da informação, que nunca recebi, e eles nunca enviaram”, conta. Seguir com o processo para Tribunal não foi uma opção porque “era caríssimo”. Então, para conseguir sobreviver, Carlos confessa que fez “um grande esforço” e arranjou “um trabalho extra para compensar”.
Uma realidade que atinge milhares de famílias portuguesas
As penhoras estiveram suspensas durante três meses até ao dia 30 de junho, numa medida excecional tomada pelo Governo por causa do impacto da pandemia. Isto significa que, durante este período de tempo, todas as execuções impostas pelas Finanças ou pela Segurança Social até ao dia 12 de março ficavam “congeladas” (não só o pagamento da dívida como os prazos de prescrição e caducidade). No entanto, poderiam ser instaurados novos processos durante a fase de suspensão. O que não poderia acontecer era a cobrança propriamente dita fosse penhora de salários, contas bancárias ou venda de bens.
Segundo a Autoridade Tributária (AT), com o fim desta medida, “todos os processos ora suspensos, nos termos das medidas excecionais, vão retomar exatamente a fase processual em que se encontravam no momento da suspensão”.
Se teve o seu ordenado penhorado ou corre o risco de que isso aconteça, saiba quanto podem retirar ao seu salário e como funciona o processo.
A penhora de ordenado é…
Uma medida de cobrança coerciva que consiste na apreensão judicial do salário do devedor para que a dívida seja paga. Se a dívida for a um credor privado, é uma ação executiva. Se a dívida for às Finanças, Segurança Social ou outro organismo do Estado, é iniciado um processo de execução fiscal.
Segundo a lei, o devedor deve ser avisado
A entidade empregadora do devedor recebe uma notificação por parte do agente de execução com a indicação de que, a partir daquele momento, terá que descontar do salário líquido do seu colaborador o montante relativo à penhora e transferi-lo para uma conta bancária à ordem do solicitador.
A penhora de vencimento é calculada tendo por base o salário líquido
Ou seja, o salário que recebe efetivamente após os descontos obrigatórios por lei (retenção na fonte de IRS e taxa social única, isto é, os descontos para a Segurança Social). Para apurar o valor que o executado (o devedor) recebe mensalmente, a partir do qual será calculado o montante a penhorar, tudo conta. São contabilizadas todas as quantias recebidas relacionadas com a prestação de trabalho, e não apenas o vencimento-base. São incluídos valores recebidos relativos a compensações por horas extraordinárias, comissões, ajudas de custo, subsídio de refeição, eventuais prémios, subsídio de deslocação, subsídio de risco e subsídios de férias e de Natal.
Regra geral, penhora-se um terço do salário. Dois terços do vencimento são impenhoráveis. Mas em casos excecionais, pode haver uma penhora superior.
Existem limites de valores para a penhora de ordenados
No mínimo, o trabalhador tem de ficar com o valor equivalente a um salário mínimo nacional (ou uma pensão social) e não pode ficar com mais do que o equivalente a três salários mínimos. No Orçamento do Estado para 2019, foi definida a criação de um mecanismo eletrónico que impede a penhora simultânea de várias contas bancárias se o valor total exceder o montante em dívida. O objetivo é evitar situações em que o devedor fica com todas as contas “congeladas” e impedido de movimentar dinheiro. Esta proposta permite também que o contribuinte tenha acesso ao saldo que sobra depois da cobrança ser executada.
Como se faz o cálculo da penhora de vencimentos?
Para calcular o valor que será penhorado, siga os seguintes passos:
- Calcule o vencimento líquido: somam-se todas as quantias líquidas recebidas (após os descontos legalmente obrigatórios).
- Multiplique o vencimento líquido por 1/3 e obtém o valor penhorável.
- Multiplique o vencimento líquido por 2/3 e obtém o valor impenhorável.
- Confirme que o valor impenhorável é igual ou superior ao salário mínimo nacional (ou seja, 635 euros em 2020) e inferior ou igual a três salários mínimos nacionais (ou seja, 1.905 euros).
Veja estes exemplos:
Vencimento líquido | Valor impenhorável | Valor penhorável |
1050€ | 700€ | 350€ |
850€ | 635€ | 215€ |
1200€ | 800€ | 400€ |
Três alternativas para reagir à penhora
Se a dívida for devida, a situação ideal passa por pagar a dívida, uma vez que é a única forma de haver um levantamento imediato da penhora. Não sendo possível esta opção pode tentar outras alternativas como:
- Pedir a redução da penhora
Pode fazer um requerimento ao Tribunal para tentar reduzir a penhora de 1/3 do salário líquido para 1/6. Esta possibilidade está prevista na Lei mas só se aplica a título excecional: por exemplo, se ficar comprovado que o valor remanescente, após a penhora, não é suficiente para o devedor sobreviver. Pode até pedir a isenção da penhora durante um período inferior a um ano. A decisão caberá ao juiz, em função das necessidades do devedor e do seu agregado familiar.
- Opor-se à penhora ou à execução
Se a dívida for indevida – por exemplo, se for acima do montante previsto na lei – pode apresentar uma oposição. Se for um processo executivo, tem 20 dias para fazê-lo após a citação (ou seja, após o aviso oficial sobre a decisão judicial ou intimação).
- Declarar insolvência pessoal
Se estiver completamente impossibilitado de pagar as suas dívidas, pode declarar insolvência pessoal. Para isso, é necessário pedir a exoneração do passivo restante. Trata-se de um processo que permite aos devedores ter o perdão das dívidas que não sejam pagas, na totalidade, durante o processo de insolvência mesmo após a liquidação de património ou nos 5 anos depois do encerramento do processo. É uma espécie de segunda oportunidade para o devedor recomeçar a sua vida financeira do zero. Só as pessoas singulares podem beneficiar do pedido de exoneração do passivo restante (sejam trabalhadores a contrato, recibos verdes, empresários em sociedades comerciais ou em nome individual). As empresas não podem ser abrangidas por esta medida. O pedido deve ser feito na apresentação da insolvência ou 10 dias depois da citação. Pelo facto de se tratar de um processo judicial, terá de ser tratado por um advogado.
Se houver várias dívidas…
E várias penhoras, aplica-se a regra da lista de espera. O que avança primeiro não é o processo mais antigo, mas sim a data de notificação. Mas há uma exceção, que confirma a regra: as dívidas relacionadas com pensões de alimentos passam sempre à frente das outras.
Fique a saber que…
O valor penhorado será apreendido até que a dívida esteja integralmente paga. Mas existem situações em que o processo de penhora se extingue. Se o trabalhador receber o ordenado mínimo ou trabalhar em part-time não é penhorado, sendo que o processo termina por impossibilidade de cobrança. O processo também se extingue em caso de desemprego, pois deixa de haver rendimentos, e se o executado emigrar. Desde 2017 que a lei já permite fazer o arresto (ou seja, a apreensão judicial) de contas bancárias no estrangeiro. No entanto, é necessário que o credor faça esse pedido perante a Justiça e seja autorizado por um juiz. Pelo contrário, se for num banco português, o agente de execução pode congelar a conta sem autorização prévia.
O melhor é mesmo tentar a todo o custo cumprir os seus compromissos financeiros. Antes de chegar a uma situação-limite, pode, por exemplo, transferir o seu crédito habitação para outro Banco para reduzir a prestação da casa e tentar renegociar os seus empréstimos.
Se já se encontra numa situação financeira difícil, avalie aqui o seu risco de sobre-endividamento.