Divórcio: desde o pedido à partilha de bens
Depois do confinamento motivado pela pandemia de Covid-19, o número de divórcios disparou. Segundo dados do Ministério da Justiça, divulgados pelo Jornal de Notícias, em maio, registaram-se 912 separações – seis vezes mais do que no mês de abril, no qual foram registadas 160.
Diodina separou-se a 11 de junho, Gonçalo a 16
Ambos têm ainda muito presente cada passo que deram, como reagiram, o que sentiram. Ambos tinham a perceção que os relacionamentos estavam a deteriorar-se. Talvez a quarentena tenha prejudicado ainda mais. Ou talvez não.
Diodina teve um relacionamento “perfeito” durante 20 anos, onde não faltavam ingredientes que, na sua perspetiva, unissem o casal, incluindo uma filha, com três anos.
Em janeiro, após regressar de uma viagem “não o reconhecia”: “Sempre tivemos um relacionamento muito comunicativo. Mas ele já não falava, não queria estar em casa e estava sempre agarrado ao telemóvel”, conta. Passados alguns meses, descobriu que o marido tinha outra pessoa. Descobriu num dia, confrontou-o, ele saiu de casa no dia seguinte: “Construí um ‘boneco’ na minha cabeça. O marido que eu conhecia nunca existiu. Era uma ilusão”.
Aos 37 anos, confessa que “tem sido difícil a nível emocional”, mas quer o divórcio. No entanto, só pode dar entrada ao processo “a partir de outubro” porque o marido “pediu uma moratória por causa da casa” e só depois poderão ser feitas as partilhas: “Eu vou ficar com a casa porque é um projeto do meu pai. Ele fica com o carro. Quanto aos bens materiais, ele levou a roupa e outros bens pessoais. Diz que não quer mobília nem nada que seja do usufruto da nossa filha”.
Diodina casou em regime de comunhão de bens adquiridos e sabe que “depois do casamento tudo o que é dos dois é para dividir”. Já se informou sobre os custos de um divórcio e, quanto às responsabilidades parentais, está disponível para “fazer a guarda partilhada”, desde que o marido tenha “capacidade e disponibilidade” para isso. Acima de tudo, pretende que todo o processo seja “amigável” e “dentro da normalidade” até porque garante que só quer “o melhor para todos”.
A história de Gonçalo é bastante diferente: um relacionamento de oito anos, quatro a viver em conjunto, mas com várias separações pelo meio.
“A relação já não estava bem desde dezembro com muitas inseguranças do lado dela. Fui trabalhar para casa a 16 março. No final do mês, a relação complicou-se e começou a ficar insustentável”, conta.
Enquanto desabafa, Gonçalo parece dividir-se entre dois polos opostos de uma mesma relação: “Eu tinha uma relação ótima com ela. Contei-lhe toda a minha vida, até coisas que fiz no meu passado, antes de estar com ela. E talvez por assuntos mal resolvidos dela, em relação ao ex-marido, começou a olhar para mim com desconfiança. Queria ter acesso às minhas redes sociais, ao meu e-mail. Pediu-me para apagar o Facebook, o Instagram. Deixei de estar com os meus amigos, de ir à praia. Abdiquei da minha maneira de ser, vivia para ela. Houve uma altura em que me senti um bocadinho ‘banana’. Mas eu só queria ser feliz e que ela não se chateasse comigo. Durante oito anos fui fiel a todos os níveis. Mas pelos vistos não era suficiente.”. Hoje, olhando para trás, Gonçalo admite: “Sofri um bocadinho de violência doméstica psicológica”.
Apesar de reconhecer que teve uma relação “tóxica”, Gonçalo acredita que a quarentena pode ter prejudicado:
“Se não estivéssemos em confinamento, talvez não nos tivéssemos separado. Quando as pessoas estão a trabalhar não têm tanto tempo para pensar nas coisas, para falar sobre o passado. Nessa altura, com o teletrabalho, partilhávamos a mesa de jantar e conversa puxa conversa… Deu nisto”.
Como vivia em casa da namorada, foi ele que teve de sair: “Ela queria que eu fosse logo embora, mas não podia. Na altura, a minha casa estava arrendada. Pedi para a inquilina sair, mas, durante o confinamento, era impensável. Só saiu a 16 de junho. E tivemos que aguentar até lá”. Quanto a partilhas, garante que levou apenas “o que era pessoal” e tudo o resto “ficou lá” porque “queria começar de novo”.
Diodina e Gonçalo separaram-se dos respetivos cônjuges depois da quarentena.
Ambos reconhecem que as relações já tinham problemas antes. Mas a verdade é que, a julgar pelos números, a conjuntura afetou muitos casais.
Cada história é uma história. Cada relação uma relação. No entanto, há aspetos práticos que são comuns a vários casais: como tratar do divórcio, quanto custa, como fazer as partilhas, como dividir a responsabilidade parental, entre muitas outras questões e dúvidas que podem surgir numa altura que é, à partida, sensível para ambas as partes.
O Contas Connosco resume as principais questões às quais deve ter atenção, se estiver a passar por um processo de divórcio:
Como se obtém um divórcio?
Há duas formas de obter um divórcio: por mútuo consentimento (quando os dois elementos do casal estão de acordo em relação à separação e respetivos termos; é o chamado “divórcio amigável”) e por litígio (quando não há acordo e é, muitas vezes, necessário seguir a via judicial).
Onde iniciar o processo de divórcio?
É possível iniciar o processo de divórcio por mútuo consentimento (ou divórcio amigável) em qualquer conservatória do registo civil ou através da internet no Civil Online, no portal de serviços públicos E-Portugal ou diretamente no portal da Justiça. Se quiser, pode até agendar pela internet uma data para iniciar o processo (precisa apenas de um endereço de email). O divórcio sem acordo de um dos membros do casal tem de ser pedido em tribunal.
Como dar início ao processo de divórcio?
Presencialmente, o pedido pode ser feito pelos membros do casal ou por procuradores designados para o efeito. Através da internet, pode ser iniciado pelos membros do casal, desde que tenham cartão de cidadão e nacionalidade portuguesa ou nacionalidade brasileira com estatuto de igualdade de direitos. Pode ainda ser pedido pelos advogados desde que tenham um certificado digital a comprovar a profissão.
O que é necessário para fazer o pedido de divórcio?
De acordo com o portal da Justiça, é necessário apresentar os seguintes documentos:
- um pedido por escrito em como se querem divorciar
- uma lista dos bens comuns do casal e do seu valor, se for um divórcio sem partilha ou um acordo sobre a partilha dos bens, se for um divórcio com partilha
- um acordo escrito ou a certidão da sentença judicial sobre o exercício das responsabilidades parentais, caso existam filhos menores
- um acordo escrito sobre o pagamento de uma pensão de alimentos de um membro do casal ao outro, caso o casal acorde esse pagamento
- um acordo escrito que defina o que vai acontecer à casa onde vivem (casa de morada de família), caso exista
- um acordo escrito sobre o destino dos animais de companhia, caso existam
- uma certidão da convenção antenupcial, se a convenção não tiver sido feita numa conservatória e o regime de bens não constar do registo de casamento.
É possível pedir ajuda para resolver um processo de divórcio sem recorrer ao tribunal?
Sim. Através do Sistema de Mediação Familiar, do Ministério da Justiça, é possível resolver conflitos que surjam em casos de separação; regulação, alteração ou incumprimento das responsabilidades parentais e o destino a dar à casa de morada de família. A mediação familiar tem uma duração média de 2 meses. No entanto, qualquer uma das partes envolvidas no processo ou o mediador podem terminar a mediação em qualquer momento. A mediação pode ser pedida por qualquer pessoa envolvida num dos conflitos referidos, através do portal do Sistema de Mediação Familiar, por e-mail através de um formulário, correio ou telefone (através do número +351 808 26 2000). Tem um custo de 50 euros a cada uma das partes envolvidas, independentemente do número de sessões ou da duração total do processo.
O que acontece quando o casal tem filhos?
Se houver filhos menores de idade, o acordo sobre as responsabilidades parentais é enviado ao Ministério Público, que terá de analisá-lo num prazo de 30 dias. O Ministério Público pode exigir aos pais que alterem o acordo. Se os pais não concordarem com as alterações pedidas, o processo segue para tribunal.
Quando estiverem reunidas as condições, o conservador marca a conferência de divórcio, na qual o divórcio é decidido, caso os membros do casal mantenham a vontade de se divorciar.
Quanto custa um divórcio?
O processo de divórcio por mútuo consentimento, sem partilha dos bens, custa 280 euros. A partilha do património do casal e registo dos bens custa 375 euros. Se fizer os dois processos em conjunto – divórcio e partilha de bens – fica por 625 euros.
De acordo com o portal da Justiça, o valor pode subir se, por exemplo, existirem custos com a consulta às bases de dados dos registos. Além disso, também é necessário acrescentar o pagamento de impostos.
E se o casal não puder pagar o divórcio?
O processo de divórcio pode ser gratuito se os membros do casal provarem que têm dificuldades económicas. Para isso, precisam de apresentar:
- um documento emitido pela autoridade administrativa competente
- uma declaração passada pela instituição pública de assistência social onde estiverem internados
- um documento emitido pela Segurança Social comprovativo de que beneficiam de apoio judiciário com dispensa total da taxa de justiça e outros encargos do processo
E se só um dos membros do casal puder beneficiar do processo de divórcio gratuito?
Nesse caso, o outro terá de suportar 50% dos custos.
Quais os regimes de partilha de bens previstos na lei?
A escolha do regime de partilha de bens é feita por acordo do casal, antes do casamento, e tem de ser celebrado através de escritura pública, num cartório. Em Portugal, a lei prevê três regimes:
- Regime da Comunhão de Adquiridos;
- Regime de Separação de Bens;
- Regime da Comunhão Geral de Bens.
E se o casal não tiver escolhido o regime de partilha de bens?
Quando o casal não faz qualquer opção, a lei define como regime supletivo (ou seja, que preenche a ausência de uma escolha), que é o Regime da Comunhão de Adquiridos. Isto aplica-se aos casamentos a partir de 1 de junho de 1967. Antes desta data, o regime supletivo é o da Comunhão Geral de Bens.
Como é feita a partilha de bens em cada um dos regimes?
No Regime da Comunhão de Adquiridos, cada um dos membros do casal tem direito aos bens próprios, ou seja, aos bens que tinha antes de casar, e aos bens que receber, depois do casamento, por morte do cônjuge ou por doação. Os bens comuns – que foram adquiridos depois do casamento – pertencem a ambos e serão divididos 50/50. Tome nota que, quando se referem “bens comuns” estão em causa tanto os ativos (os bens propriamente ditos) como os passivos (as dívidas). Na prática, isto significa que, mesmo que as dívidas tenham sido contraídas por apenas um dos membros do casal, a lei aplica o princípio da responsabilidade solidária, ou seja, os dois membros do casal são responsáveis por pagar essas dívidas.
No Regime de Separação de Bens, todos os bens que os dois elementos do casal adquiriram antes e depois do casamento, em seu nome, são considerados bens próprios. Se, por acaso, durante o casamento, tiverem comprado alguma coisa em conjunto e estiver em nome dos dois, então, perante a lei são considerados co-proprietários. Aplica-se o mesmo princípio às dívidas.
No Regime de Comunhão Geral de Bens, todos os bens – próprios ou comuns – pertencem a ambos. No entanto, a lei ressalva algumas especificidades. Por exemplo, roupa ou bens que um dos elementos do casal tenha recebido em herança ou doação pertencem apenas a essa pessoa. Este regime não é aplicável a quem, à data do casamento, já tenha filhos, mesmo que sejam maiores de idade.
Quem pode pedir a partilha de bens?
A partilha dos bens pode ser pedida pelos membros do casal ou por procuradores que representem os membros do casal, quando estes não têm oportunidade de se apresentarem em tribunal ou no notariado. De acordo com a Ordem dos Notários, o procurador pode substituir outra pessoa, “se o representado o consentir ou se esta faculdade resultar do conteúdo da procuração ou da relação jurídica que a determina.”
Para a representação acontecer, o procurador deve apresentar-se com uma minuta de procuração que permitirá transmitir poderes representativos de forma voluntária a quem for passada.
Onde se pode pedir a partilha dos bens?
Se o seu divórcio for com partilha de bens, pode fazer o pedido, presencialmente, num dos balcões existentes por todo o país ou através da internet no Balcão Divórcio com Partilha.
Como é feita a partilha da casa?
A casa onde os cônjuges viviam é designada por “morada de família”. Se pertencer a, apenas, um dos membros do casal é considerado um bem próprio; se pertencer a ambos, é um bem comum. Em caso de divórcio, se for um bem próprio, o membro do casal a quem a casa pertence, fica com ela.
No entanto, o tribunal pode decidir que a casa deverá ser arrendada ao outro cônjuge, tendo em conta as necessidades de cada um deles e dos filhos do casal.
Um casal com uma casa em nome dos dois decide divorciar-se. Quais são as principais soluções para resolver a questão da partilha do imóvel?
Podem existir várias realidades numa situação de partilha de um imóvel, após um divórcio. A opção mais comum é um dos cônjuges ficar com o imóvel. Neste caso, quem fica com a casa terá de pagar tornas ao cônjuge. Na prática, as tornas são uma espécie de compensação financeira que um dos elementos do casal paga ao outro por ficar com o bem de maior valor. Assim, o montante a pagar corresponde a metade do valor da avaliação patrimonial do imóvel.
Perante a lei, as tornas são tributadas como se fossem um negócio. São consideradas como um ganho para quem as recebe e estão sujeitas a tributação em mais-valias no ano da partilha. Quem paga as tornas – que é quem fica com o imóvel –, pode declará-las como despesa no IRS.
E quando existe um crédito à habitação contraído em conjunto?
O cônjuge que ficar com a casa vai ter de pagar ao outro metade do valor de avaliação do imóvel, mais metade dos custos com o crédito habitação.
Para calcular o valor das tornas, fazem-se as contas ao ativo (imóvel) e ao passivo (dívida). Se houver saldo positivo, divide-se esse valor por dois e após o divórcio, quem fica com a casa terá de dar, no mínimo, esse montante ao outro. Tome note dos cuidados que ambas as partes devem ter:
- Quem vende: tem de pedir a exoneração ao banco para ficar livre da dívida. Atenção, pode acontecer que o banco não aceite que o potencial vendedor deixe de ser titular do contrato de crédito, por considerar que o outro é incapaz de pagar sozinho a prestação da casa.
- Quem compra: deverá tentar renegociar as condições do crédito com o banco. Segundo a lei, os bancos não podem alterar unilateralmente as condições do contrato à habitação (como o spread, por exemplo) na sequência do divórcio, desde que a taxa de esforço do agregado familiar do titular seja inferior a 55% ou, no caso de existirem dois ou mais dependentes, a 60%.
O imóvel é vendido a terceiros e dividem a receita
Com o valor da venda, podem liquidar o crédito habitação e, se sobrar dinheiro, dividem o restante pelos dois. Tome nota que ao amortizar a totalidade do crédito habitação terá de pagar uma taxa.
Se houver mais-valias, estas devem ser declaradas em 50% por cada um no anexo G da declaração de rendimentos.
No entanto, há forma de não pagar IRS sobre o valor da mais-valia da venda da habitação própria, se reinvestir o valor num outro imóvel. Se tem dúvidas sobre as mais-valias, veja aqui tudo o que precisa de saber.
Exemplos de situações de divórcio com partilha de imóvel
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Um casal tem apenas um imóvel no valor de 100.000 euros. O cônjuge A quer ficar com a casa. Para isso, paga tornas ao cônjuge B no valor de 50.000 euros, porque se o valor do património comum representa um valor de 100.000 euros, o quinhão de cada um dos cônjuges será de 50.000 euros. Esta situação representa uma cedência em ato de divisão ou partilha de direitos reais sobre bens imóveis, pois um dos cônjuges está a ceder o seu direito sobre um bem imóvel e como tal, recebe tornas. Neste caso, o cônjuge que recebe as tornas deverá, no ano seguinte ao da escritura de partilha/divisão de coisa comum, entregar com a sua declaração de rendimentos Modelo 3 o anexo G, onde deve declarar a quota parte cedida (50%), para efeitos de tributação em sede de IRS.
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Um casal, em regime de comunhão de adquiridos, tem dois imóveis. Ao avançar com o divórcio, decidem que o cônjuge A fica com uma casa no valor de 100.000 euros e B com a outra casa, no valor de 150.000 euros. Como o imóvel do B tem um valor superior ao outro, este terá de pagar a diferença ao A. As tornas que o B paga ao A são no valor de 25.000 euros. Como é apurado este valor? Se o património comum representa um valor de 250.000 euros, o quinhão de cada um dos cônjuges será de 125.000 euros. Quem ficou com a casa mais cara, paga metade da diferença. Para o cônjuge que recebe as tornas, a operação não tem qualquer relevância em termos de IRS. Não estamos perante uma cedência de direitos sobre bens imóveis.
O que acontece quando a casa onde viviam era arrendada?
Se um dos elementos do casal pretende ficar a viver nessa casa, o contrato de arrendamento deve ser alterado para que apenas esse cônjuge seja responsável pelo pagamento das rendas.
Como é feita a partilha de contas bancárias?
O dinheiro depositado pelos cônjuges numa conta bancária em que ambos são titulares presume-se que é dos dois. Em caso de divórcio, a conta pode ser encerrada ou pode ser alterada a titularidade ou as autorizações de movimentos.
Se existirem contas em nome de filhos menores de idade, em que os pais tenham poder para movimentar, a mudança das autorizações no que diz respeito às movimentações da conta deve ser feita nos termos previstos no acordo de responsabilidades parentais.
Como é feita a partilha das dívidas?
As dívidas associadas à conta em que ambos os elementos do casal são titulares, como dívidas dos cartões de crédito ou de créditos pessoais, terão de ser pagas por ambos, mesmo depois do divórcio.
As dívidas que dizem respeito à vida familiar normal ou outras que tenham sido contraídas antes ou depois do casamento, com o consentimento do cônjuge, são da responsabilidade de ambos. No regime de comunhão geral e no regime de comunhão de adquiridos, os bens comuns servem para fazer face a estas dívidas e, se não forem suficientes, podem ser utilizados os bens próprios de cada cônjuge.
As dívidas que forem contraídas por apenas um dos elementos do casal sem o consentimento do outro – e não puderem ser incluídas na vida familiar normal – são apenas da responsabilidade de quem contraiu a dívida.
No regime de separação de bens, não existem bens comuns. Logo, cada um responde por si.
Após um divórcio, lembre-se também que poderá ter de alterar as apólices de alguns seguros, assim como os respetivos beneficiários.