COVID-19

Alimentação e imunidade: mitos e verdades

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alimentação e imunidade

Ouvimos desde crianças que “o peixe não puxa carroça” e, provavelmente, na idade adulta até já aderimos a “modas alimentares”. No atual contexto da pandemia por Covid-19, multiplicam-se as sugestões e conselhos, nas redes sociais e não só, que prometem alimentos – e “superalimentos” – para ajudar a prevenir ou mesmo curar a infeção. Nesta fase, em que está em causa a saúde pública, é ainda mais importante distinguir as informações verdadeiras das falsas. Siga este guia e perceba o que deve (e não deve) fazer no que diz respeito à sua alimentação.

O novo coronavírus pode ser transmitido através da alimentação?

Não, pelo menos, tendo em conta aquilo que se sabe até ao momento. Segundo a Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar (EFSA) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) “não existe, até ao momento, evidência de qualquer tipo de contaminação através do consumo de alimentos cozinhados ou crus”. De acordo com a EFSA “a experiência dos surtos anteriores com coronavírus, nomeadamente com o coronavírus SARS-CoV e com o coronavírus MERS-CoV, mostram que a sua transmissão não ocorreu através do consumo alimentar”.

Existem alimentos que podem ajudar a prevenir ou combater a Covid-19?

Não. De acordo com a Bastonária da Ordem dos Nutricionistas, Alexandra Bento, “não existem nem superalimentos, nem suplementos capazes de prevenir ou até mesmo combater a Covid-19, através do fortalecimento do sistema imunitário”.

Vanessa Andrade, chef macrobiótica, e autora do projeto Green Smiles, reforça também que é preciso ter “cuidado com as modas”. É o caso, por exemplo, de pessoas que consomem “bagas goji ou quinoa porque acham que são um superalimento”. “Fazem bem, é verdade”, garante a chef, “mas não existem superalimentos”. Além disso, é preciso ter consciência que existem mitos como “quem não come proteína animal, adoece ou tem anemia”. A mentora do projeto Green Smiles assegura que “não é verdade” porque “se combinarmos um cereal e uma leguminosa, vamos ter os mesmos  aminoácidos da carne ou do peixe”.

Podemos reforçar o sistema imunitário através da alimentação?

Não existe uma ligação óbvia e comprovada entre uma coisa e outra. Segundo o documento com Orientações na Área da Alimentação, divulgado recentemente pela DGS, “a evidência científica é escassa no que diz respeito à relação entre alimentação e o reforço do nosso sistema imunitário”. No entanto, a DGS refere também que “para garantir o normal funcionamento do sistema imunitário, é necessário ter uma alimentação equilibrada com a presença de diferentes nutrientes, vitaminas e minerais”. 

A chef macrobiótica, Vanessa Andrade, defende que “o nosso sistema imunitário é mantido pela alimentação, estilo de vida e pelos nossos pensamentos”. Na opinião da chefe macrobiótica “existem mais hábitos alimentares do que alimentos em concreto” que devemos privilegiar, além de que “não fortalecemos o sistema imunitário de um dia para o outro”. Para a autora do projeto Green Smiles, devemos “evitar comer em demasia, alimentos processados – como as refeições pré-feitas, bolachas, batatas fritas, sumos – açúcar e álcool”, uma vez que os dois últimos “vão aumentar o nosso nível de inflamação, o que faz com que o nosso sistema imunitário tenha de agir em duas frentes ao mesmo tempo: na alimentação que estamos a fazer e perante algum agente externo que esteja a criar uma inflamação”.  Desta forma, “se tivermos cuidado com a alimentação, estamos a permitir que o sistema imunitário fique liberto” para combater o agente externo.

Em caso de doença, devemos alterar a alimentação?

Nunca é demais reforçar que, até ao momento, não foi descoberta qualquer ligação entre a alimentação e a Covid-19. No entanto, se tiver outro problema de saúde, pode reforçar alguns cuidados. Na opinião de Vanessa Andrade, devemos “comer menos para não sobrecarregar o organismo”. Na prática, devemos “comer efetivamente quando temos fome”. Além disso, para a chef macrobiótica, pode ser importante “reduzir ou retirar por completo o consumo de carne de forma a diminuir a ingestão das toxinas que vêm da carne, evitar refogados e comida de forno, assim como comida mais consistente e elaborada”. Além disso, “o consumo de probióticos – como a kombucha, kefir, miso ou pickles – e de alimentos com propriedades anti-inflamatórias – como o gengibre, limão e curcuma com pimenta preta – pode também ajudar a reforçar a imunidade”.

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Como podemos ter uma alimentação mais saudável?

Segundo a Bastonária da Ordem dos Nutricionistas, Alexandra Bento,“devem ser privilegiados os alimentos frescos, crus ou cozinhados”. No entanto, nesta fase, em que devemos ficar em casa o máximo possível e reduzir ao mínimo as idas ao supermercado, poderá ser necessário consumir algumas conservas. A pensar nisso, a DGS fez um manual de receitas com enlatados, onde explica como escolher os melhores, quais os cuidados a ter e sugere ainda como cozinhar alguns pratos. Além destas receitas, no Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável da DGS, pode ainda consultar , na área de Nutrimento, a Orientação de Terapia Nutricional no doente com Covid-19 (indicada para profissionais de saúde que estão a cuidar de doentes em estado crítico), Cuidados Alimentares e Atividades para Crianças ou as Orientações na Área da Alimentação no contexto da pandemia. 

Na opinião da chef macrobiótica Vanessa Andrade devemos “privilegiar uma alimentação mais fresca, com alimentos integrais, que nos podem dar nutrientes mais completos”. Por exemplo, preferir “arroz integral em vez de arroz branco, cereais – como centeio, cevada, millet, aveia, kamut, espelta – e alimentos biológicos”. Para a mentora do projeto Green Smiles, a melhor escolha passa pelos “alimentos locais”, não só para ajudar a economia, na fase que atravessamos, mas, principalmente, porque “o que é produzido no nosso país, nesta altura, o que cresce com o clima, é o mais adequado” para o nosso organismo. “O nosso corpo está incluído no clima e à partida vai processar estes alimentos de forma mais fácil”, explica. Exemplos disso poderão ser, como sugere a chef, as couves, feijão verde, agriões e alface.

Podemos consumir mais conservas nesta altura?

Na opinião de Vanessa Andrade, “não devemos comer conservas todos os dias”. O ideal é haver equilíbrio: “ter uma conserva e também ter um alimento fresco no prato”. Por exemplo, “uma feijoada de cogumelos, em que tenho o feijão enlatado e os cogumelos frescos ou os dois enlatados e acompanho com uma salada ou com feijão verde escaldado no prato”.

Devemos ter alguns cuidados, em particular, com as conservas e enlatados?

Sim, na forma como as escolhemos e na lavagem. A chef macrobiótica sugere que “devemos ver, na lista de ingredientes, o que é a que conserva tem para ter a noção da quantidade de açúcar e sal concentrado e privilegiar as que têm o mínimo de ingredientes possível”. Além disso, deve-se “descartar a água que vem com as conservas e lavar bem”. Em alternativa, Vanessa Andrade propõe que “em vez dos enlatados podemos comprar a granel e cozer em casa”. No manual de receitas com enlatados da DGS também é possível encontrar várias sugestões sobre a forma como escolher as conservas.

Agora que estamos mais tempo em casa como evitamos comer mais?

Vanessa Andrade lembra que é preciso “ter consciência que há fome emocional”. Por isso, sugere que devemos “tentar ter as refeições principais reforçadas” e, por exemplo, “guardar a sobremesa para o meio da tarde” para não ter a tentação de “ter grandes extras em termos de snacks”. Além disso, não devemos “comer um doce todos os dias”, o ideal é “guardar o doce para o fim de semana”. A autora do projeto Green Smiles refere ainda que é importante ter alguma atividade física: “Não temos que andar todos a fazer cross fit, mas é importante fazer alguma coisa nem que seja rodar as articulações e os membros”. Por exemplo, “quando sair à rua, pode ir de escadas em vez de elevador. E, se for a um local no quarteirão, pode ir a pé”.