Roupa portuguesa e sustentável: veste esta ideia?
Já imaginou vestir uma roupa feita a partir de canas de pesca retiradas do fundo do mar? E uns sapatos produzidos com folhas de ananás e solas de pneus e airbags? Dito desta forma, pode até parecer estranho. Mas não é. A sustentabilidade veio para ficar e o mundo da moda não é exceção. Além disso, Portugal está cada vez mais na vanguarda da produção sustentável. Catarina Santos Cunha, CEO da Kind Purposes e project leader da conferência Sustainable Fashion Business, que se realizou em Portugal no dia 23 de outubro, não tem dúvidas: “No Norte estamos neste momento a trabalhar grandes marcas internacionais na vertente de sustentabilidade e as pessoas não conhecem minimamente estes projetos. Há moda 100% sustentável a ser criada e produzida a partir de Portugal e é um negócio em que temos de apostar”, afirmou em declarações ao jornal Eco.
A procura por estas marcas também tem vindo a aumentar. De acordo com um estudo desenvolvido pelo Business of Fashion e pela consultora McKinsey & Company, o índice de sustentabilidade aumentou cerca de 15% entre os consumidores.
No entanto, apesar da tendência estar a ganhar terreno, a verdade é que há ainda muito a fazer. Segundo dados da Fundação Ellen MacArthur, atualmente produz-se o dobro da roupa do que há 20 anos e apenas 1% da que utilizamos é reciclada, enquanto cerca de 75% é queimada ou depositada em aterros. Além disso, para conseguir produzir toda a roupa que inclui plástico na composição são necessários 342 milhões de barris de petróleo, por ano e apenas um par de calças de ganga necessita de 7500 litros de água – a mesma quantidade que um adulto consome durante 7 anos.
A verdade é que existem cada vez mais opções sustentáveis no mercado e com preços mais ou menos acessíveis ou, pelo menos, com campanhas que permitem comprar com descontos. Além disso, um produto sustentável é, muitas vezes, produzido com materiais mais resistentes e duradouros, o que faz com que não precise de comprar tanta quantidade.
Duas marcas portuguesas que apostam em Portugal
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Perff Studio: a sofisticação que vem do mar
É uma marca de luxury activewear, ou seja, roupa desportiva sofisticada, com um toque de alta costura. Nasceu “a partir da vontade de inovar de uma empresa têxtil vimaranense que queria criar uma marca própria” e, por isso, “desafiou Jorge Castro, o co-fundador” para criar o projeto. Lançada em Novembro de 2017, a Perff Studio é 100% produzida em Portugal, na região do Vale do Ave e, desde o primeiro momento, quis assumir-se como sustentável. A primeira legging lançada no mercado foi feita a partir de resíduos do fundo do mar. Este é um dos exemplos dado por Helena Alves, responsável de comunicação, para explicar que a Perff Studio “nasceu com o propósito de deixar uma marca no mundo e nas pessoas” e, por isso, não pretende que a sustentabilidade seja apenas “o fator distintivo”, mas sim “algo intrínseco à sua identidade”. Segundo Helena Alves, a sustentabilidade começa logo no design ao desenvolverem “peças versáteis, intemporais e duradouras”. Estas peças são produzidas a partir de Econyl (fio regenerado a partir de resíduos do fundo do mar como redes de pesca e plásticos industriais) e Reco Nylon (fio de nylon produzido a partir de desperdícios do processo produtivo). Algumas peças são também feitas a partir de “fibras naturais orgânicas” e, de acordo com a responsável de comunicação, mais de 50% dos produtos da Perff Studio já são feitos a partir de materiais reciclados. Além disso, os processos de manufatura também são “ecológicos” no sentido em que “implicam um menor gasto de água e de energia”.
A sustentabilidade da Perff Studio é extensível à exigência que têm com os produtores e parceiros: todos são escolhidos “de acordo com a sua capacidade de inovação tecnológica e as suas práticas sustentáveis”, sendo que alguns “produzem já a sua própria energia a partir de fontes renováveis”. Além disso, todos estão “certificados com selo de sustentabilidade” e no âmbito do “comércio justo”. Todo o processo de fabrico é realizado “num raio de 30 km”, o que “implica uma redução na pegada de Co2 aquando do transporte das peças”.
Na Perff Studios encontra peças de desporto tanto para homem como mulher e os preços vão desde os 50 euros aos 300 euros.
Veja algumas das peças nesta galeria:
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NAE: das folhas de ananás ao couro vegan
A NAE é uma marca de sapatos vegan que nasceu de uma “necessidade pessoal” e “numa noite de insónia”. Paula Perez, fundadora da marca em conjunto com o marido, já tinha “uma filosofia de vida diferente” e “não queria usar nada de origem animal” fosse na alimentação ou no vestuário. Por isso, em 2008, “numa noite de insónia”, resolveu “testar a veia empreendedora” e criar a NAE: “Como as minhas filhas são Nuria e Neus (nome catalão), achei que a marca tinha que começar por ’N’. Então, inventei algo que fazia todo o sentido na minha cabeça: NAE – No Animal Exploitation (Não Exploração Animal)”, conta em entrevista ao Contas Connosco. Ao início – confessa – “foi bastante difícil” penetrar no mercado do calçado: “As pessoas achavam que estávamos doidos. Havia o status quo do couro e da pele: só o calçado em pele é que era bom. Na altura, a única alternativa que havia era o plástico. Mas, hoje em dia, já não é assim, porque a indústria evoluiu muito”, explica. Outro dos desafios foi “fazer com que as fábricas se adaptassem” porque “tiveram que alterar alguns processos de produção”. Mas, gradualmente, explica Paula Perez, foram percebendo que “há um movimento global” em torno da sustentabilidade e das preocupações ambientais e, atualmente, já partilham os mesmos valores da NAE: “Além de termos uma produção local, temos uma proximidade muito grande com as fábricas com que trabalhamos. Sabemos que não há exploração infantil nem humana. Além disso, uma das fábricas tem muitas preocupações ambientais e está a tentar que toda a energia seja feita a partir de painéis fotovoltaicos”, conta, visivelmente orgulhosa.
A grande maioria da produção é feita em Portugal, em São João da Madeira e na Benedita, no distrito de Leiria. Têm também fábricas em Espanha onde são produzidos alguns acessórios. Quanto aos materiais utilizados, a ideia inicial era que “não tivesse nada de origem animal”. Desta forma – explica Paula Perez – já estariam “a contribuir para a sustentabilidade porque a indústria intensiva é altamente poluente e destrutiva dos recursos do planeta”. No entanto, como em 2008 ainda existiam poucas alternativas, tiveram de ir à procura de matérias-primas “mais sustentáveis”.
Atualmente, a NAE utiliza: Piñatex, algodão orgânico, cortiça, PET reciclado e couro vegan. O Piñatex é uma espécie de jóia da coroa: feito a partir de folhas de ananás desperdiçadas durante a colheita e processadas até se tornarem num material “incrivelmente resistente”. As fibras que não são utilizadas no Piñatex “são distribuídas como fertilizante”. Apesar desta matéria-prima ser importada, a NAE orgulha-se de ter sido “a primeira marca a nível mundial a produzir” com Piñatex. Algo que só foi possível – explica Paula Perez – pela relação que tinham “com Carmen Hijosa, autora deste material no âmbito de uma tese de doutoramento”.
O algodão orgânico “cresce de sementes naturais não modificadas geneticamente, sem recurso a pesticidas”, é feito “em terrenos que têm sistemas de pousio” e “irrigado, usando cerca de 80% de água da chuva”. Ou seja, “mais sustentável do que o algodão normal que tem um consumo de água excessivo além de utilizar químicos nos solos”.
Outra das matérias-primas utilizadas é tipicamente portuguesa: a cortiça. É extraída da árvore do sobreiro e proveniente de uma indústria “com um impacto negativo do ponto de vista de emissão de gases, uma vez que absorve toneladas de CO2 por ano”. Segundo Paula Perez, “é muito bem recebida na Alemanha por ser diferente”.
O PET (polyethylene terephthalate) é feito a partir de “garrafas de plástico pós-consumo recicladas”. Além disso, a NAE quis ir mais longe e começou também a utilizar pneus e airbags para fazer solas: “Encontrámos uma empresa que cortava os pneus em forma de solas e começámos a usar nas sandálias”, explica.
Por último, o couro vegan trata-se de “microfibra que é uma mistura de têxtil” composta por algodão, nylon e poliéster e, segundo a fundadora, o material que “melhor imita o couro do ponto de vista do acabamento”.
Quanto aos processos de produção, apesar de admitir que é “difícil quantificar” a poupança de recursos, consegue dar um exemplo: “Para produzir um sapato usamos cerca de 8 garrafas de plástico recicladas”. Em vista, está também “um projeto para quantificar o impacto da empresa na sustentabilidade, assim como a reciclagem dos sapatos em fim de vida”.
Além de sapatos vegan para mulher, homem e unissexo, a NAE comercializa também acessórios como malas, carteiras, cintos, suspensórios e cremes de polimento. Os preços variam desde os 7 euros (por uma turtle bag em algodão) aos 180 euros (por umas botas de cano alto para senhora), passando por 38 euros por um cinto de homem. Quanto à ideia – preconcebida ou não – de que os produtos sustentáveis são caros, Paula Perez refere que têm a preocupação de ter campanhas com promoções e uma secção com preços mais baixos. Aproveitando o Dia Mundial do Veganismo, que se assinalou a 1 de novembro, a NAE vai celebra “a semana do veganismo com descontos que começaram no dia 30 de outubro”.
Da sustentabilidade ao cuidado com o planeta
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Lemon Jelly: sapatos de limão e 100% renováveis
José Pinto, CEO da marca é fã de limonadas. Algo que, por si só, justifica o nome: a Lemon Jelly faz parte do grupo Procalçado, uma empresa portuguesa que começou na indústria do calçado há 40 anos. A recente linha Recycled Lemons é feita com o desperdício de produção e, segundo a marca, liberta 90% menos de emissões de CO2 na atmosfera. Por exemplo, se comprar umas botas da marca, através da iniciativa Closing The Loop, poderá entregá-las, em fim de vida, num dos pontos de recolha, para que sejam recicladas. Em troca, recebe um vale de 10% de desconto para a próxima compra. A produção é feita em Portugal através de métodos sustentáveis: 72% do desperdício é reciclado e as fábricas operam com 100% de energia renovável – o que representa, segundo a Lemon Jelly, menos 150 toneladas de emissões emitidas para a atmosfera. Além disso, todos os produtos são vegan e, como tal, amigos dos animais. Um par de botas da nova coleção pode custar entre 79,90 e 129,90 euros.
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Naz: vida nova à madeira, oliveira e ao milho
Seia, Loriga e Belmonte são os locais de produção da Naz, uma marca de roupa de malha e lã lançada por Cristiana, em 2016. Entre os materiais utilizados estão o linho, algodão orgânico, lyocell (fibra de celulose feita a partir de pasta de madeira), lã e poliéster reciclados. Até os botões são amigos do ambiente: feitos de papel ou algodão reciclado, madeira proveniente de oliveiras ou milho. Os fechos, garante a marca, são feitos num material 100% reciclável. Para cada uma das matérias-primas utilizadas, a Naz descreve dados ambientalmente relevantes. Por exemplo, o algodão orgânico precisa de 71% menos de água para ser produzido quando comparado com o algodão convencional. No entanto, apenas 0,7% da produção global de algodão é orgânico. Existem peças para homem e senhora e os preços variam desde 48 euros por uma camisola long-sleeve aos 218 euros por um casaco.
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Isto tem mais qualidade que quantidade
Isto é uma marca com atitude que começa logo por reclamar a sua independência face aos constrangimentos da indústria ou à ditadura da moda. Pedro Palha e Vasco Mendonça, ambos sem qualquer formação na área, sabiam apenas que queriam criar uma marca de roupa sustentável e a preços mais acessíveis do que as que compravam no estrangeiro. Com produção em Barcelos, Guimarães e Vizela, têm apenas uma coleção, de forma a apostar na “qualidade em vez de quantidade”. Existem modelos para homem e mulher tanto de camisas como casacos ou calças. Outra das apostas é na transparência: ao consultar o site, é possível ver exatamente quanto custa produzir cada peça ao longo de todo o processo desde a fábrica até ao cliente final.
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Insane in the Rain: de Londres para Lisboa
A britânica Hannah Edwards apaixonou-se por Lisboa e por cá ficou. A marca Insane in the Rain tem sede em Portugal e tem a mão de designers nacionais. Tratam-se de casacos para a chuva, impermeáveis, coloridos e divertidos, feitos a partir de plástico reciclado. Cada peça é produzida com 17 a 23 garrafas de plástico. A coleção é unissexo e existem tamanhos para adulto e criança. Uma parte da produção ainda é feita em Taiwan, mas a fundadora admite mudá-la para Portugal.
Veja aqui mais exemplos de moda consciente e, se ainda não tem noção da quantidade de bens que todos desperdiçamos por ano, conheça os números relativos a comida, roupa e plástico. Se é empresário e está a questionar-se se a sustentabilidade é um bom negócio, aqui encontra muitas das respostas às suas dúvidas.
Está nas suas mãos – e nas de todos nós – ajudar a salvar o planeta.